A difícil missão de explicar a discussão do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins para um chefe estrangeiro

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A executiva Maíra Oltra conta como tratou do assunto com um antigo gestor e dá dicas sobre a interação com colegas de outras nacionalidades

A advogada Maíra Oltra é executiva de multinacionais há 14 anos, com passagens GE, pela Amazon e pela Heineken. Especialista em tributário, teve de se habituar com a difícil tarefa de traduzir e explicar o Brasil para gestores das mais diversas nacionalidades e backgrounds. Atualmente, ela é head of tax da Stripe para a América Latina.

Esta mini-entrevista com Maíra inaugura a série “Como explicar para a matriz”, em que o JOTA se propõe a estimular a conversa sobre os desafios de se operar no Brasil, da perspectiva dos executivos jurídicos que se envolvem na concretização dos negócios.

O papo com a executiva foi sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. Velho conhecido dos tributaristas, o tema volta à ribalta nesta semana com o julgamento dos embargos de declaração do caso no STF, na pauta do plenário desta quinta-feira (29/4).

Leia a entrevista:

Qual foi a situação que você teve dificuldades de explicar para um gestor ou uma gestora de outro país?

Maíra Oltra: São muitas as situações em que enfrentei desafios para explicar a estrangeiros a complexidade e instabilidade do sistema tributário brasileiro. Acho que um exemplo traduz bem essa dificuldade e, que provavelmente é uma realidade da grande maioria dos tributaristas, refere-se ao tema da exclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e COFINS.

No caso em questão, eu precisava explicar que apesar de termos várias decisões favoráveis, alguns processos com trânsito em julgado favorável, além de um precedente do STF autorizando a exclusão do ICMS na base de cálculo das operações de diversas entidades legais, havia uma série de incertezas quanto ao tema. A empresa já estava fazendo a exclusão há algum tempo e havia incerteza quanto ao valor excluído mensalmente (valor do ICMS pago ou destacado) e, ao mesmo tempo, pressão dos auditores externos para reconhecer os créditos tributários relativos aos períodos passados – antes da data de início do uso das liminares. Não bastasse isso, em alguns períodos pretéritos a legislação em vigor do PIS e da COFINS determinava o recolhimento do PIS e COFINS sob a modalidade “ad rem”, ou seja, com base em valores fixos e não sobre o faturamento efetivo – seria possível fazer alguma exclusão neste caso e em caso afirmativo, como determinar tal valor?. Por fim, como explicar diante de tanta incerteza eu precisava reconhecer os ativos e, ao mesmo tempo, oferecer garantias em execuções fiscais relativas ao mesmo tema?

Como você explicou?

Maíra Oltra: Foram várias apresentações mas acho que a forma mais efetiva de sintetizar todas as incertezas foi criando uma linha do tempo, com todos os períodos em questão, identificando os riscos e oportunidades para cada período, fatos relevantes e valores mínimos e máximos aplicáveis. Esse “one-pager” ajudou a ilustrar de uma forma executiva o cenário de forma sumarizada e também, traduziu todos os cenários de forma financeira de uma forma mais didática, além de ter ajudado no processo de tomada de decisão.

Outros pontos que ajudaram no entendimento foi explicar algumas peculiaridades do nosso país: (i) no Brasil, diferentemente de outros países, ainda não temos o conceito de “settlement” amplamente utilizado em muitos países, por isso, não existe a possibilidade de fazer acordo com as autoridades fiscais; (ii) as decisões judiciais geralmente abordam aspectos legais/constitucionais mas não os detalhes operacionais, além disso, como não é possível um acordo com o Fisco, mesmo após uma decisão favorável, questões mais operacionais por vezes arrastam-se durante muitos anos; (iii) o Fisco aqui é “brasileiro e não desiste nunca”. Sim, geralmente o Fisco brasileiro não aceita suas derrotas jurídicas e fica tentando reverter decisões por muito tempo e até mesmo reinterpretando as decisões dos Tribunais superiores; (iv) “não, não somos loucos ou aventureiros, todo o mercado está fazendo algo muito parecido com o que nós estamos propondo” – ou seja, benchmarking ; e (v) contextualizar o cenário econômico relacionado à essa discussão jurídica, demonstrar com dados e fatos – inclusive notícias de jornais – as perdas econômicas que a Receita Federal teve por conta deste tema e que, portanto, a questão que está em jogo não é apenas jurídica mas também política e econômica.

Qual foi a reação do/a chefe?

Maíra Oltra: Ele ficou um pouco preocupado, mas já havia passado por um grande processo educacional a respeito do Brasil, de como tudo aqui vira litígio e, apesar da frase de Benjamin Franklin, no Brasil a certeza é só da morte, pois com relação a tributos, nunca se sabe.

Evidentemente, fez várias perguntas e muitas vezes as mesmas perguntas de formas diferentes. Entretanto, com a documentação necessária, comunicação à CFO global e ao “senior leadership”, ficou confortável com aquilo que é notoriamente desconfortável. O nosso discurso também seguiu com muita transparência, ressaltando que as coisas poderiam mudar, que todas as decisões eram baseadas nos fatos atuais e dando visibilidade aos valores dos potenciais riscos futuros.

Por fim, a constância da comunicação sobre o tema fatos também garantiu uma maior tranquilidade, ou seja, toda e qualquer mudança ou expectativa de modificação era imediatamente comunicada. A qualquer sinal de risco, agendamento de nova da data de julgamento ou potencial fato novo, automaticamente eu sinalizava à matriz para evitar quaisquer surpresas.

Você poderia nos dar dicas da sua experiência sobre como adaptar a mensagem à nacionalidade e à personalidade do interlocutor e também à cultura da empresa?

Maíra Oltra: Em primeiro lugar é preciso entender quem é o seu interlocutor, conhecer a sua personalidade e conseguir adaptar a comunicação ao seu estilo. Por exemplo, é alguém mais analítico, que prefere receber um pre-work, ou alguém mais pragmático, que prefere fazer perguntas durante a conversa? Avaliar a nacionalidade do interlocutor também ajuda, pois em geral, – sem criar estereótipos, obviamente – a cultura da sua nacionalidade quase sempre influencia na forma na comunicação. Em regra, os americanos gostam muito de entrar no detalhe, já os europeus, nem tanto. Os holandeses, são bem objetivos, italianos, gostam de ficar em calls por muitas horas. Argentinos, mexicanos e brasileiros gostam de bater um pouco de papo antes de adentrar a questão técnica e por aí vai.

Também é fundamental adaptar a mensagem à linguagem e cultura da companhia, seja ao formato de comunicação, utilização de indicadores, acrónimos e métricas. Há empresas que apenas usam “powerpoint”, enquanto em outras este tipo de apresentação é proibida e apenas documentos escritos são aceitos. Relacionar os valores em discussão aos números e valores macro da empresa, tais como % do faturamento, “operating profit”, margem, dentre outros, sempre ilustram a questão de maneira mais prática.

E por fim, como ninguém é de ferro, uma boa dose de bom humor, sempre ajuda…


Fonte: Jota