Quitação de precatórios por estados e municípios ‘demandará grande esforço’, diz PGFN

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PEC Emergencial adiou prazo de pagamento para 2029; Ricardo Soriano, procurador-geral da Fazenda Nacional, analisa mudanças

Apesar de mais um adiamento para estados e municípios quitarem o pagamento de precatórios, com prazo limite sendo transferido do fim de 2024 para 31 de dezembro de 2029 com a aprovação da PEC Emergencial, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) avalia que o fim dessas dívidas pelos entes subnacionais “demandará um grande esforço de todos os entes”.

Em entrevista ao JOTA, o procurador-geral da Fazenda Nacional, Ricardo Soriano, afirmou que, apesar de o adiamento ter frustrado credores, dezembro de 2029 foi “o prazo compreendido pelos representantes do povo e dos Estados, no Congresso Nacional, como necessário a viabilizar, creio, um saneamento das contas que possibilite o cumprimento das obrigações sem prejuízo grave a outras atividades públicas consideradas essenciais”.

 

“E talvez esse prazo reflita, ao lado das já conhecidas dificuldades nas contas públicas, notáveis desafios fiscais oriundos também deste momento ainda de pandemia, cujos efeitos devem ser vivenciados por muitos anos”, acrescentou Soriano.

Em relação ao governo federal, que hoje paga em dia seus precatórios, a PEC não trouxe nenhuma mudança. Apenas um dispositivo que determinava à União abrir linha de crédito para o financiamento para pagamento de precatórios pelos entes nacionais foi revogado – nunca havia sido regulamentado.

Soriano vê com preocupação, porém, o aumento nas despesas com precatórios pela União, tendo em vista um salto de R$ 6 bilhões em 2012 para R$ 55 bilhões em 2021.

Enquanto isso, pedidos de compensação de créditos tributários passaram de R$ 1,6 bilhão em 2015 para R$ 45 bilhões em 2019 e R$ 97 bilhões em 2020.

“Para qualquer cidadão, esses são números que saltam aos olhos”, considerou o procurador-geral, ao lembrar que essas despesas são obrigatórias e estão dentro do teto de gastos, mas não são controladas pelo governo.

“Da parte da PGFN, queremos crer que as despesas decorrentes de decisões judiciais não observarão uma permanente alta, pelo cuidado que cada vez mais se verifica na elaboração das normas (atos constitucionais, legais ou infralegais), e pelo inegável avanço na defesa do Poder Público em Juízo”, estimou Soriano.


Leia a entrevista na íntegra:

Quais os principais impactos e mudanças trazidas pela PEC em relação aos precatórios? Há algum impacto em relação aos precatórios pagos pela União?


A chamada PEC Emergencial, ora aprovada como Emenda Constitucional nº 109/2021, em nada altera o regramento dos precatórios pagos pela União. A modificação se dá para os Estados, Distrito Federal e Municípios que já se encontravam em mora ainda em março de 2015, para os quais restou estendida a possibilidade de quitação dos débitos até o final de 2029. Foi o prazo compreendido pelos representantes do povo e dos Estados, no Congresso Nacional, como necessário a viabilizar, creio, um saneamento das contas que possibilite o cumprimento das obrigações sem prejuízo grave a outras atividades públicas consideradas essenciais. E talvez esse prazo reflita, ao lado das já conhecidas dificuldades nas contas públicas, notáveis desafios fiscais oriundos também deste momento ainda de pandemia, cujos efeitos devem ser vivenciados por muitos anos.


O texto revogou um dispositivo constitucional que determinava à União abrir linha de crédito para o financiamento do pagamento dos precatórios de estados e municípios. Como a situação fiscal dos entes subnacionais é grave, isso não pode prejudicar sua capacidade de pagamento?


Sobre a redação revogada, que constava no § 4º do art. 101 do ADCT, havia entendimento consolidado da União no sentido de que a linha de crédito ali prevista existia apenas para financiamento dos saldos remanescentes de precatórios, nos termos da respectiva redação. De todo modo, tratava-se de uma norma de eficácia limitada, cujo regramento infraconstitucional não chegou a se concretizar. E, sobre o eventual prejuízo aos Estados e Municípios, é fato que a União vem empreendendo permanentes esforços de auxílio aos demais entes federativos, a exemplo de suspensões de dívidas e repasses de recursos formalizadas, por exemplo, pela Lei Complementar 173, de 2020.


A PEC adiou mais uma vez o prazo para que os entes subnacionais quitem seus precatórios, agora com data para 2029. É possível acreditar que essas dívidas serão quitadas algum dia no Brasil, tendo em vista uma série de adiamentos nos últimos anos?


Parece-me não apenas uma questão de fé, mas de dever dos entes federativos. Isso para que esteja assegurado o próprio Estado Democrático de Direito, que abrange, é claro, a viabilidade do acesso ao Poder Judiciário e a efetividade das decisões judiciais. Isso certamente demandará um grande esforço de todos os entes, e o adiamento para o pagamento das dívidas não pode ser compreendido, por óbvio, como aval para sua não quitação.


De modo geral: consta no anexo de riscos fiscais da LDO que as ações judiciais com perda provável para a União cresceram 410% em um ano e hoje somam R$ 660 bi, na esteira do crescimento dos precatórios, com um aumento de R$ 13 bilhões em 2013 para R$ 55 bilhões em 2021. A que a PGFN atribui esses aumentos exponenciais?


Há diferentes razões para um crescimento no quanto previsto como perda provável para a União. Um fator importante, e que por consequência não pode ser desprezado, é que essa projeção de perdas espelhada no anexo de riscos fiscais foi sendo aprimorada ao longo dos últimos anos. Não se trata, portanto, apenas de um salto do ano de 2020 para 2021, mas de um crescimento que se vem verificando ao longo dos últimos anos, ao menos como regra, a partir de um levantamento que hoje é considerado mais preciso que há alguns anos. Um outro ponto que também deve ser levado em consideração é que algumas causas concentram valores altíssimos e, após discutidas durante vários anos, passam a impactar o referido anexo. Isso não significa que esse crescimento no montante das condenações judiciais necessariamente será verificado ano após ano.


O ministro Paulo Guedes disse no ano passado que a “indústria” de precatórios “vai acabar conosco”. A PGFN concorda que há uma “indústria” de precatórios no Brasil? Como quem gera precatório é o Judiciário, juízes e ministros também seriam parte desta “indústria”?


Entendo que as palavras do Ministro Paulo Guedes devem ser compreendidas a partir de uma preocupação econômica e com a sanidade fiscal do País, que é natural a qualquer cidadão, e característica ao Ministro da Economia. Nos últimos anos houve, efetivamente, um crescimento expressivo nos valores dos precatórios. E não apenas deles, mas também das requisições de pequeno valor e dos pedidos de compensação de créditos tributários. Em números por nós aqui levantados, os precatórios destinados a pagamento da União em determinado ano somavam R$ 6 bilhões em 2012, R$ 14 bilhões em 2016 e R$ 30 bilhões em 2019. Os pedidos de compensação de créditos tributários passaram de R$ 1,6 bilhão em 2015 para R$ 45 bilhões em 2019 e incríveis R$ 97 bilhões em 2020. E as Requisições de Pequeno Valor monetizaram R$ 47,6 bilhões entre o início de 2017 e meados de 2020. Para qualquer cidadão, esses são números que saltam aos olhos. E temos que lembrar que o pagamento desses assim chamados “precatórios” (em sentido amplo) deve ser comportado dentro do teto de gastos, instrumento criado em 2016 com o objetivo de controlar o crescimento do gasto público, demandando do gestor uma administração eficiente e esforços redobrados em diferentes setores. Ocorre que tais rubricas decorrentes de decisões judiciais, em face da aplicação de atos normativos expedidos há 10, 20 ou 30 anos estão totalmente alheias a qualquer controle do gestor público de hoje, quando efetivamente vêm a impactar as contas públicas. Ou seja, o teto de gastos é aplicável também aos “precatórios” (novamente, em sentido amplo), mas o gestor de hoje sobre elas não tem controle. E o espaço para despesas discricionárias dentro do Governo diminui ano a ano, com o crescimento das despesas obrigatórias em percentual superior ao da inflação. É nesse contexto fiscal, parece-me, que devem ser compreendidas as preocupações do Min. Paulo Guedes. E, da parte da PGFN, queremos crer que as despesas decorrentes de decisões judiciais não observarão uma permanente alta, pelo cuidado que cada vez mais se verifica na elaboração das normas (atos constitucionais, legais ou infralegais), e pelo inegável avanço na defesa do Poder Público em Juízo.

A PGFN avalia que a União está cometendo mais irregularidades em algumas frentes, como por exemplo a trabalhista, previdenciária e a tributária, e isso pode estar gerando passivos contra o Governo? Como resolver este cenário nos próximos anos para dar um alívio fiscal e impedir riscos à União?


Não creio que a União esteja cometendo mais irregularidades. Ao contrário, e como dito, o que se percebe é um constante esforço no aperfeiçoamento do complexo processo de construção normativa, desde as normas infralegais até a elaboração de emendas à Constituição. Os efeitos hoje verificados nas condenações decorrem, como se disse, da aplicação de normas expedidas já há muitos anos, por vezes há mais de duas ou três décadas. Para o futuro, a partir de um maior cuidado na elaboração das normas, inclusive com observância aos precedentes de nossos tribunais superiores e também do Supremo Tribunal Federal, seria natural projetar um quadro de menor número de condenações judiciais para o setor público.


Tendo em vista a deterioração das contas públicas e esse aumento dos precatórios, há algum risco de a União se aproximar da situação de estados e municípios, que atrasam e têm filas longas para o pagamento dos precatórios?


De tudo o que tenho visto até aqui, e a despeito dos enormes desafios fiscais (que, talvez pelo tecnicismo envolvido na matéria, não parecem ser bem compreendidos por grande parte da população), não se trabalha com a hipótese de atrasos, pela União, no pagamento de seus precatórios. Aliás, sob uma privilegiada perspectiva de quem acompanha de perto os esforços das equipes técnicas do Ministério da Economia, o que verifico é uma profunda preocupação, é claro, com o atendimento das normas de equilíbrio e rigor fiscal, mas não só: também com o cumprimento dos compromissos vários existentes para a União, das mais diversas ordens.

Assim é que, a título de exemplos, posso citar o fim de uma discussão sobre a Lei Kandir que se arrastava há mais de década, e também a conclusão da revisão do contrato da cessão onerosa de exploração e produção de gás e óleo na Bacia do Pré-Sal. São exemplos que tiveram custos imediatos bilionários para a União (e favoreceram as contas de Estados e municípios, no primeiro caso, e da Petrobras, no segundo), mas demonstram a mencionada preocupação do Poder Público federal no cumprimento de seus compromissos.

Fonte: Jota