PROCESSO TRIBUTÁRIO: A prescrição da ação anulatória e a nova pragmática tributária

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O presente texto tem por objetivo provocar reflexões a respeito da aplicação – “automática” – do julgado que deu origem ao Tema 229 do Superior Tribunal de Justiça em 2010

O presente texto tem por objetivo provocar reflexões a respeito da aplicação – “automática” – do julgado que deu origem ao Tema 229 do Superior Tribunal de Justiça em 2010, no sentido de que “o prazo prescricional adotado em sede de ação declaratória de nulidade de lançamentos tributários é quinquenal, nos moldes do art. 1º do Decreto nº 20.910/1932″ [1], prazo esse contado da data da “notificação fiscal do ato administrativo de lançamento”.

Não pretendemos suscitar se aquele decreto é ato normativo válido para regular as relações jurídico-tributárias em conflito em matéria de prescrição, uma vez que o locus adequado para tanto é a lei complementar, à luz do artigo 146, III, “b” do Texto Constitucional, em relação ao qual o Código Tributário Nacional (CTN) faz as vezes, pois tem status de lei complementar. Nosso objetivo é abordar o tema à luz das alterações de contexto experienciadas na realidade tributária.

VEJAMOS.

O ciclo de positivação do crédito tributário tem início a partir da Constituição disparado com a edição da regra-matriz de incidência tributária, culminado na norma concreta e individual do lançamento (ou “autolançamento”) que o constituirá.

O ordenamento jurídico confere ao contribuinte, além da impugnação administrativa, a possibilidade de ajuizar medidas judiciais antiexacionais de modo a colocar em xeque a exigibilidade do crédito tributário em seus vários estágios (mesmo se encontrando em estado potencial) [2]. A escolha de cada uma delas depende do momento em que flagrado o respectivo percurso de positivação.

Quando o litígio se dá em momento posterior à constituição do crédito tributário, pode ser convocado tanto o contencioso administrativo como o judicial, este último mediante a propositura de ação anulatória de débito fiscal ou mandado de segurança, ambos repressivos, para impugnar a respectiva exigibilidade.

Ocorre que tal “cardápio” de medidas processuais (administrativa ou judiciais) para atacar a exigência efetiva, como o único meio de o contribuinte se insurgir em face da cobrança, não se apresenta mais desse modo nos dias de hoje.

PRDI

É dizer, após a edição do CPC/2015, com objetivo de conferir máxima efetividade à tutela jurisdicional e diminuir a litigiosidade, ocorreu movimento de produção de uma série de atos normativos pela administração tributária, especialmente a federal, outorgando ao contribuinte outros mecanismos de intervenção no ciclo de positivação do crédito tributário.

O que nos interessa neste texto é chamar a atenção para a possibilidade de manejo, pelo contribuinte, do Pedido de Revisão de Dívida Inscrita (PRDI), perante a administração tributária federal, previsto na Portaria PGFN nº 33/2018 – antes conhecido como “envelopamento”, então disciplinado pela Portaria SRF/PGFN nº 01/1999, mas que com este não se confunde.

Uma vez notificado do ato de inscrição em dívida ativa, o contribuinte poderá alegar, ao apresentar o PRDI, quaisquer causas de extinção ou suspensão da exigibilidade do crédito tributário, indicadas nos incisos I a III, do § 1º, do artigo 15 daquela portaria, a saber: “pagamento, parcelamento, suspensão de exigibilidade por decisão judicial, compensação, retificação da declaração, preenchimento da declaração com erro, vício formal na constituição do crédito, decadência ou prescrição, quando ocorridos em momento anterior à inscrição em dívida ativa da União; matérias descritas no art. 5º, § 1º [3], ocorridas antes ou após a inscrição em dívida ativa da União; qualquer causa de extinção ou suspensão do crédito tributário, ocorridas antes ou após a inscrição em dívida ativa da União” [4].

Percebe-se que, pela amplitude de temas passíveis de arguição, o novo PRDI, em seu conteúdo e propósito, é equiparável à ação anulatória de débito fiscal, pois oportuniza o ataque à exigibilidade do crédito tributário (já inscrito em dívida ativa) com fundamento em idênticos argumentos invocáveis naquela demanda. Ainda, com o acréscimo de que a PGFN, ao recebê-lo, poderá solicitar informações sobre as alegações de defesa aos órgãos de origem (por exemplo, à Receita Federal), o que traz ainda mais efetividade ao procedimento administrativo de revisão.

Prazo prescricional para ação anulatória

Todos esses pontos foram abordados para que chegássemos ao objeto temático do presente artigo, que é o prazo prescricional para ajuizamento da ação anulatória, tal como fixado pelo STJ, em 2010.

As questões que se colocam, diante desse novo cenário, são: como explicar que o contribuinte possui prazo prescricional de cinco anos para ajuizamento de ação anulatória de débito fiscal, contado da notificação do lançamento se, em momento muito posterior a esse marco temporal, poderá se insurgir perante a administração tributária em face do crédito, objetivando a mesma finalidade se manejasse aquela demanda judicial (a anulatória do crédito tributário)? Qual o sentido de ser mantido tal marco temporal nos dias de hoje?

Outro ponto reside no fato que, após a edição do CPC/2015, com a introdução na ordem jurídica do sistema de “precedentes”, mecanismos de sua superação são suscitáveis caso se verifique que uma decisão das Cortes Supremas não acompanha a evolução social. Nesse sentido, Daniel Mitidiero [5] adverte que:

“A superação total de um precedente (overruling) constitui a resposta judicial ao desgaste da sua congruência social e da sua consistência sistêmica ou a um evidente equívoco na sua solução. Quando um precedente carece de congruência e consistência ou é evidentemente equivocado, os princípios básicos que sustentam a regra do stare decisis – segurança jurídica, liberdade e igualdade – deixam de autorizar a sua replicabilidade (replicability), com o que deve ser superado, sob pena de estancar-se o processo de contínua evolução do Direito.”

Ou seja, para que o direito se adapte ao novo contexto pragmático é necessário propor solução diversa daquela outrora fixada.

Contradição

Não é concebível que um julgado de 2010, exarado pelo STJ, quando ainda não estava vigente o CPC/2015 (que tem como um de seus pilares a efetividade da solução jurisdicional), possa ser aplicado indiscriminadamente a todo e qualquer caso, mormente quando novos atos normativos alteraram a realidade então experimentada nas décadas passadas.

Por isso, compreendemos que os juízes e tribunais não estão vinculados ao Tema 229 em matéria de prescrição para ajuizamento de ação anulatória de débito fiscal, pois o contexto pragmático atual é completamente distinto daquele existente na ocasião em que o julgado foi editado.

Carece de sentido lógico a PGFN admitir que o contribuinte se utilize de PRDI para impugnar o crédito tributário (inscrito em dívida ativa), mesmo decorridos cinco anos da data da notificação do lançamento e, por outro lado, o Poder Judiciário limite o prazo para propositura de ação anulatória com o mesmo conteúdo e objetivo daquele instrumento.

Nesse sentido, inclusive, o STJ, em voto-vista exarado pelo ministro Castro Meira, no Recurso Especial 1.126.773/RS, afirmou: “ora, em face do reconhecimento do direito adquirido pela própria recorrida, concluo que seria irrazoável manter uma orientação em sentido contrário, pois não pode o Judiciário ser mais rigoroso com os contribuintes do que a própria titular do direito” (no caso, a Fazenda Nacional).

Por fim, acrescente-se que o STJ [6] permite ao contribuinte a opção de impugnar o crédito tributário executado por meio de ação anulatória ajuizada em momento posterior ao executivo fiscal. Admitir tal medida e, ao mesmo tempo, entender como aplicável o prazo quinquenal para a propositura da anulatória, contado da data da notificação do lançamento do débito fiscal, revela-se contraditório a denotar que, por mais esse argumento, deve ser tido como superado o Tema 229.

Diante disso, uma pausa para meditação acerca da aplicação indiscriminada do Tema 229 é necessária, sob pena de colocarmos em risco as diretrizes do CPC/2015 e os atos normativos editados pela administração tributária federal destinados a dar-lhes concretude.

 [1] “Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.”

[2] Mais a respeito do assunto “exigibilidade” remetemos o(a) leitor(a) aos seguintes artigos desta coluna:

https://www.conjur.com.br/2021-mar-02/paulo-conrado-processo-tributario-instrumentalidade/

https://www.conjur.com.br/2021-mar-09/opiniao-processo-positivacao-acoes-conflitos-tributarios/

https://www.conjur.com.br/2021-abr-27/opiniao-exigibilidade-exaurida-tutela-jurisdicional-reparadora/

[3] Em síntese, os incisos I a XI do referido parágrafo 1º do artigo 5º tratam das situações em que há “precedentes” favoráveis ao contribuinte editados nas situações listadas.

[4] Para mais informações sobre o PRDI, remetemos à leitura dos seguintes artigos desta Coluna:

https://www.conjur.com.br/2022-set-25/processo-tributario-prdi-processo-ou-procedimento-colocando-pingos-is

https://www.conjur.com.br/2022-mar-13/processo-tributario-pedido-revisao-divida-inscrita-precedentes-vinculantes/

https://www.conjur.com.br/2021-ago-29/processo-tributario-pedido-revisao-divida-inscrita-processo-tributario

https://www.conjur.com.br/2021-jun-21/processo-tributario-revisao-divida-inscrita-controle-legalidade-credito-tributario

 [5] Precedentes. Da persuasão à vinculação. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2018, p. 115.

 [6] Cite-se, como exemplo, AgReg no REsp 1.054.833/RJ, rel. min. Teori Zavascki, 1ª Turma, DJe 02/8/2011; AgReg no AREsp 836.928/SP; rel. min. Herman Benjamin, 2ª Turma, DJe 27/5/2018.

Fonte: https://www.conjur.com.br/2024-abr-07/a-prescricao-da-acao-anulatoria-e-a-nova-pragmatica-tributaria/ Por Fernanda Donnabella Camano e Eduardo Carvalho Caiub