OPINIÃO : Pagamento de ICMS é imprescindível para reconhecer decadência pelo art. 150, § 4º, do CTN?

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O tema da decadência dos tributos sujeitos ao lançamento por homologação é objeto de longos estudos e debates no direito tributário, sendo sua análise de grande importância para as discussões judiciais e administrativas.

 O tema da decadência dos tributos sujeitos ao lançamento por homologação é objeto de longos estudos e debates no direito tributário, sendo sua análise de grande importância para as discussões judiciais e administrativas [1].

O lançamento por homologação transfere para os contribuintes o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, cabendo à administração pública fiscalizar os administrados dentro do prazo decadencial, conforme ocorre em relação ao Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS).

Quanto ao tema, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) consignou que o termo inicial do prazo decadencial dependerá de ter o contribuinte antecipado o pagamento (parcial) da tributação [2].

Nesse sentido, Renata Ricetti confirma a importância do pagamento parcial para o reconhecimento da decadência pelo artigo 150, § 4° do CTN:

Após refletir, de forma constante, nos rendemos ao entendimento de que a aplicação da regra do art. 150, § 4° do CTN depende sim do pagamento parcial. Porém, não apenas e tão somente desse, mas também da constituição parcial. Para nós, lançamento por homologação é aquele depende da homologação. [3]

Todavia, o presente artigo pretende demonstrar que o pagamento parcial do tributo é dispensável para que seja reconhecida a decadência pelo artigo 150, § 4° do CTN, conforme também já foi decido pelo próprio STJ.

Nesse sentido, analisaremos o voto do então ministro do STJ, Luiz Fux, atualmente no Supremo Tribunal Federal (STF), nos autos dos Embargos de Divergência nº 276.142/SP, publicado em 28 de fevereiro de 2005 [4], além da própria literalidade do artigo 150 do Código Tributário Nacional (CTN).

É sabido que existe uma divergência sobre o surgimento do crédito tributário, conforme Américo Lacombe sintetiza: “Em suma, a questão está em se verificar se a obrigação tributária surge por ocasião da ocorrência do fato imponível ou por ocasião do lançamento” [5].

 Crédito tributário

Assim, verifica-se que uma corrente doutrinária compreende que o vínculo jurídico está instaurado a partir da ocorrência do “evento jurídico tributário” [6], independentemente de uma atividade da administração, cabendo à administração pública exigir o tributo do sujeito passivo.

Contudo, outra corrente alega que o lançamento tributário deverá ser precedido da atividade administrativa, ou seja, o fato ocorrido no mundo fenomênico não gera relação obrigacional, tão somente o lançamento [7].

Em nosso entendimento, o crédito tributário surge apenas quando, por meio de linguagem competente, o evento do mundo fenomênico que se subsume na hipótese de incidência, é relatado na forma prevista em lei, permitindo ao sujeito ativo exigir valor monetário do sujeito passivo [8].

Tal lançamento, em regra, é realizado pelo contribuinte que documenta a ocorrência do fato jurídico tributário por meio dos deveres instrumentais exigidos para o dado imposto. Antes disso, contudo, qualquer evento exteriorizado no mundo fenomênico que não tenha sido objeto do lançamento (ou o dito “autolançamento”), para constituição definitiva do crédito tributário, estará sujeito à decadência.

Sob esta perspectiva, no caso específico do ICMS, há que se ponderar que a emissão de nota fiscal atesta a circulação de mercadoria, com a indicação na natureza da operação por meio de códigos específicos (CFOP — Código Fiscal de Operações e Prestações), da classificação do produto pela NCM (Nomenclatura Comum do Mercosul) para determinar um único código numérico para uma respectiva mercadoria, bem como qualificam os envolvidos na operação comercial.

Sendo assim, compreendemos que as notas fiscais emitidas pelos contribuintes têm a função de levar ao conhecimento da administração pública a efetiva realização do evento jurídico tributável (isto é, o desempenho de atividade sujeita à tributação), que poderá, a partir daí, realizar a constituição definitiva do crédito tributário, caso o contribuinte não tenha procedido com a formalização que lhe cabia, e caso ainda esteja fluindo o prazo decadencial.

Ou seja, a emissão de nota fiscal leva ao conhecimento do sujeito ativo a atividade realizada pelo contribuinte.

Com efeito, verifica-se que a decadência é uma forma extintiva do direito de constituir, por meio de ato administrativo, o lançamento tributário. Assim, em razão da decorrência de determinado lapso temporal legalmente determinado, ocorre a preclusão do direito de constituir o crédito tributário.

Prazo decadencial

No direito tributário brasileiro, o prazo decadencial é de cinco anos, iniciando-se a partir do evento jurídico tributário (§ 4º do artigo 150 do CTN), ou do primeiro dia do exercício seguinte àquele em tenha ocorrido o referido evento (artigo 173, I do CTN).

Assim, para os tributos que exigem lançamento por homologação o artigo 150 do CTN define que:

Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.

(…)

§ 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.

Nesta esteira, nosso posicionamento é de que o lançamento por homologação ocorre em razão da atividade do contribuinte, que pode ser relatada mediante declaração, e posterior objeto do pagamento antecipado do tributo.

Já a homologação tácita, por seu turno, ocorre quando o transcurso do lapso temporal faz a administração homologar não o lançamento, e nem tampouco o pagamento, mas sim a atividade do sujeito passivo, que tem início com a ocorrência do fato gerador, documentado pela respectiva nota fiscal.

Dessa mesma forma compreendeu o ministro Luiz Fux, quando proferiu o voto vencedor dos Embargos de Divergência em REsp nº 276.142/SP, no âmbito do STJ, que definiu que é a atividade do sujeito passivo (proceder do contribuinte) que é objeto da homologação tácita. Vejamos:

Impende salientar que a homologação a que se refere o art. 150 do Código Tributário é da atividade do sujeito passivo, não necessariamente do pagamento do tributo. O que se homologa, quer expressamente, quer tacitamente, é o proceder do contribuinte, que pode ser o pagamento suficiente do tributo, o pagamento a menor ou a maior ou, também, o não-pagamento.

O próprio texto legal se utiliza do artigo feminino para se referir ao vocábulo “atividade” (a homologa), sendo certo que na hipótese de correlação com o “pagamento” ou “lançamento”, a redação legislativa dever-se-ia constar no masculino (“o homologa”), o que não ocorreu:

Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o —sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.

Diante desse cenário, a ausência de pagamento não deve obstar o reconhecimento da decadência dos tributos sujeitos por homologação em razão da ciência do Fisco acerca das atividades realizadas pelos contribuintes, especialmente em razão das emissões dos respectivos documentos fiscais que evidenciam a ocorrência da atividade potencialmente tributável, salvo para os casos de dolo, fraude ou simulação.

Nesse sentido, André Mendes Moreira compreende que o pagamento é irrelevante para o reconhecimento da decadência por meio do § 4º do artgo 150 do CTN. Vejamos:

Pensamos de forma distinta, partindo da premissa de que o pagamento antecipado não é a essência do lançamento por homologação. A hipótese típica do lançamento por homologação é a previsão legal do dever de o sujeito passivo antecipar o pagamento; o fato de haver ou não o pagamento não altera o caráter jurídico do lançamento por homologação.

Com efeito, nos termos expressos pela lei, a situação de pagamento parcial e de ausência de pagamento – que pode ocorrer porque o contribuinte nada declarou, inobstante este ter corretamente emitido notas fiscais no período, escriturado os livros de apuração do tributo devido, etc, permitindo a atividade homologatória do Fisco – são verdadeiramente idênticas para determinar-se o termo a quo da decadência dos tributos sujeitos ao lançamento por homologação. Este foi, inclusive, o entendimento vidente no Conselho de Contribuintes da União até a uniformização promovida pelo STJ. [9]

Ocorrência da decadência

Para o jurista, o fato que implica o decurso do prazo decadencial regido pelo § 4º do artigo 150 do CTN é a imposição legal do tributo ser submetido ao regime de antecipação da declaração e do pagamento, mas não, necessariamente, a efetivação do pagamento.

Nesse mesmo sentido, o ministro Luiz Fux conclui em seu voto que a decadência pode acontecer em diferentes situações: quando o tributo é pago corretamente, quando é pago a maior ou a menor, e até mesmo quando não há pagamento algum. Confira-se:

Seja qual for, dentre todas as possíveis condutas do contribuinte, ocorre uma ficção do Direito Tributário, sendo irrelevante que tenha havido ou não o pagamento, uma vez que relevante é apenas o transcurso do prazo legal sem pronunciamento da autoridade fazendária, di-lo o Codex Tributário.

Transcorrido o prazo de cinco anos, previsto no art. 150, § 4º, não mais poderá o Fisco efetuar o lançamento do tributo, ou seja, constituir o crédito tributário [10].

O debate se destaca porque o STJ não tem diretrizes claras sobre como lidar quando as empresas vendem mercadorias com notas fiscais, mas não registram essas notas em sua escrituração fiscal para o cálculo do ICMS, ainda que ocorra pagamento sobre outros eventos jurídicos tributários. Também falta orientação sobre situações em que as empresas tratam certas vendas como isentas ou sem incidência de ICMS, enquanto outras vendas no mesmo período são tributadas.

Daí surge a reflexão: seria o pagamento do imposto referente a outros fatos geradores do mesmo período de apuração suficiente para caracterizar o “pagamento parcial” de que trata a atual orientação jurisprudencial do STJ, autorizando a aplicação do § 4º do artigo 150 do CTN? Ou será que o “pagamento parcial” deve ser relativo (individualizado) ao exato evento tributário (fato gerador) para que se inicie o fluxo decadencial?

Na realidade, compreendemos que a jurisprudência atual não tem a resposta adequada para esse tipo de situação, porque ela se direcionou para uma interpretação textual menos apta para tutela da fluência da decadência dos tributos sujeito ao lançamento por homologação, isto é, se dedicou somente à análise do desembolso pecuniário para satisfação da obrigação tributária, e não do surgimento do evento tributário que é objeto da atividade sujeita à homologação.

Diante desse cenário, parece-nos necessário que o STJ resgate seu entendimento anterior no sentido de que, na aplicação do §4º, do artigo 150 do CTN para os tributos sujeitos ao lançamento por homologação, é irrelevante ter ocorrido o pagamento, parcial ou não, atentando-se para o fato de que o essencial para existência da homologação tácita é a existência da atividade do contribuinte sujeito ao dever legal de pagar antecipadamente o tributo sujeito ao lançamento por homologação, que pode ser verificada, sobretudo, pela emissão de notas fiscais pelos contribuintes, já que estes documentos fiscais contêm as informações necessárias para fiscalização da atividade do contribuinte e do surgimento do fato gerador.

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Referências

[1] OLIVEIRA, Gustavo da Gama Vital de. ICMS no Estado do Rio de Janeiro: teoria e prática. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2021, p. 317.

[2] BRASIL, STJ – AgInt no REsp 1.817.191/RS, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe de 24/04/2020.

[3] MARQUES, Renata Elaine Silva Ricetti. Curso de decadência e de prescrição no direito tributário: regras do direito e segurança jurídica. 4. ed., rev. e atual. São Paulo: Noeses, 2020, p. 250.

[4] BRASIL, STJ – EREsp: 276142SP 2003/0045444-9, Relator: Ministro Luiz Fux, Data de Julgamento: 13/12/204, S1 – Primeira Seção, Data de Publicação: DJ 20/02/2005, p. 180.

[5] LACOMBE, Américo. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva. NASCIMENTO, Carlos Valder do. MARTINS, Rogério Gandra da Silva (Coords) Tratado de Direito Tributário. Vol. 2. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 285.

[6] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 7. ed. rev. São Paulo: Noeses, 2018, p. 722/723.

[7] SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 9. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 1155.

[8] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 448.

[9] MOREIRA, André Mendes. Causas extintivas do crédito tributário e a pseudo-taxatividade do art. 156 do CTN In MENEZES, Farley Soares (coord). Revista do Congresso Mineiro de Direito Tributário e Direito Financeiro. UEMC, Vol. 3, n. 1, Montes Claros: Unimontes, 2014, p. 54.

[10] BRASIL, STJ. 1ª Seção. EREsp 276.142/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, julgado em 13.12.2004, DJ 28.02.2005.

 

Fonte: https://www.conjur.com.br/2024-mar-01/pagamento-de-icms-e-imprescindivel-para-reconhecer-decadencia-pelo-art-150-%c2%a7-4o-do-ctn/