DIRETO DO CARF: PLR e pactuação prévia: um ponto de inflexão na jurisprudência do Carf?

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Questões atinentes à tributação dos planos de participação dos trabalhadores nos lucros ou nos resultados da empresa (PLR) vêm ganhando, sob diversas lentes, especial destaque nesta coluna nos últimos meses

 Questões atinentes à tributação dos planos de participação dos trabalhadores nos lucros ou nos resultados da empresa (PLR) vêm ganhando, sob diversas lentes, especial destaque nesta coluna nos últimos meses (aqui, aqui, aqui e aqui). Seja por ser a PLR direito social de índole constitucional do trabalhador, seja pelos pulsantes debates ocorridos no Carf quanto à incidência tributária sobre a verba, premente o acompanhamento da jurisprudência que versa sobre o tema.

Nos termos do §1º do artigo 2º da Lei nº 10.101/2000, dos instrumentos decorrentes da negociação da PLR "deverão constar regras claras e objetivas quanto à fixação dos direitos substantivos da participação e das regras adjetivas, inclusive mecanismos de aferição das informações pertinentes ao cumprimento do acordado, periodicidade da distribuição, período de vigência e prazos para revisão do acordo". Indicado ainda que poderão ser considerados, entre outros critérios, programas de metas, resultados e prazos, desde que pactuados previamente.

Com a edição da Lei nº 14.020/2020, foi inserido o §7º no artigo 2º da Lei nº 10.101/2000, que trouxe dois requisitos cumulativos para a definição daquilo que seria considerado como uma pactuação prévia — isto é, devem as regras da PLR ser fixadas em instrumento (1) assinado anteriormente ao pagamento da antecipação, quando prevista; e, (2) com antecedência de, no mínimo, 90 dias da data do pagamento da parcela única ou da parcela final, caso haja pagamento de antecipação.

Tendo a conceituação de pactuação prévia ocorrido pela via legislativa apenas em 2020, certo que os recursos apreciados pelo Carf têm como objeto autuações ocorridas muito antes da edição da Lei nº 14.020/2020. Segundo o inciso I do artigo 106 do CTN, a lei aplica-se a ato ou a fato pretérito "quando seja expressamente interpretativa", o que não parece ser o caso da norma ora sob escrutínio, eis que vetado pela Presidência da República o artigo 40 do PLV nº 15/2020, que dispunha que, "[p]ara efeito de aplicação do inciso I do caput do art. 106 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional), tem caráter interpretativo as seguintes alterações promovidas nesta Lei:
(...) II. nos §§ 3º-A, 5º, 6º, 7º, 8º e 9º do art. 2º da Lei nº 10.101, de 19 de dezembro de 2000".

A despeito da existência de tese jurídica no sentido de atribuição de efeitos retroativos à Lei nº 14.020/2020, fundada noutros motivos, houve por bem a Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), pelo voto de qualidade, firmar o entendimento de que "[é] possível relativizar a exigência de pacto prévio ao período aquisitivo, quando, cumulativamente, (i) trata-se de Convenções Coletivas de Trabalho, as quais, por sua natureza, são firmadas entre sindicatos, e não propriamente pelo sujeito passivo; (ii) as Convenções Coletivas de Trabalho são meras reproduções, em relação à participação nos lucros ou resultados, das Convenções de anos anteriores; e (iii) todas as demais acusações fiscais foram superadas pelas instâncias anteriores do contencioso administrativo fiscal, restando, unicamente, a acusação relativa ao descumprimento do pacto prévio ao período aquisitivo, ou quando a única acusação fiscal originária for a de descumprimento do pacto prévio" [1].

O julgado representa um ponto de inflexão na jurisprudência da CSRF que, há anos, exibe o entendimento de que "constitui requisito legal que as regras do acordo da PLR sejam estabelecidas previamente, de sorte que os acordos discutidos e firmados após o início do período de aferição acarretam a inclusão dos respectivos pagamentos no salário de contribuição" [2]. A título exemplificativo, cf., em igual sentido, os seguintes acórdãos, todos prolatados pela CSRF no último quinquênio: 9202-009.904, 9202-009.907, 9202-009.910, 9202-010.268, 9202-007.943, 9202-007.662, 9202-006.674, 9202-005.370.

Passemos à contextualização fática para, posteriormente, analisar os três requisitos, inarredáveis e cumulativos, firmados pela CSRF, a fim de promover uma relativização quanto à pactuação prévia da PLR.

Em que pese a autuação abordar, originariamente, a suposta inconformidade de Convenções Coletivas de Trabalho (CCT) [3] e Acordos Coletivos de Trabalho (ACT) [4] avençados com a Lei nº 10.101/2000, somente as regras previstas na CCT foram objeto de análise da CSRF. Conforme consta do relatório do acórdão, "as CCT foram assinadas, não durante o período de apuração do lucro/resultado que se pretendeu compartilhar com os empregados, mas sim após o enceramento desse período" [5] — mais precisamente em janeiro e fevereiro do ano subsequente à aferição do cumprimento das metas e obtenção dos resultados esperados.

Ademais, em que pese a fiscalização apontar uma série de inconformidades das CCTs com a lei que regulamenta a PLR, a Turma Ordinária do Carf, ao analisar a autuação, acabou por superá-las, subsistindo divergência apenas quanto à (in)observância do requisito da pactuação prévia [6]. Daí o porquê foi essa única matéria devolvida à CSRF, a quem compete julgar, com cognição restrita àquilo que foi objeto de admissibilidade prévia, os recursos especiais interpostos contra decisão que conferir interpretação díspar à ofertada por qualquer das câmaras e turmas que compõem o Carf [7].

Não por outro motivo, ao firmar a tese da relativização do pacto prévio, a inexistência de outra razão capaz de macular a PLR ou a inobservância da pactuação prévia como causa única e determinante para a lavratura da autuação foi inserida como um dos três requisitos [8] a serem observados. Fica aqui evidenciada a necessidade de, para uma completa prestação jurisdicional da atividade atípica desenvolvida pelo Poder Executivo, cotejar cada um dos fundamentos da autuação, apresentados pela autoridade fiscalizadora, bem como explicitar o porquê da (in)subsistência do lançamento, inclusive levando-se em consideração as decisões, do caso concreto, já proferidas pela primeira e segunda instâncias. Há de ser dado, portanto, enfoque a todas as questões imprescindíveis à resolução da controvérsia, sem negligenciar estarem as conselheiras e os conselheiros autorizados a não contrapor alegações e considerações não relevantes, principalmente aquelas de natureza especulativa e extrajurídica [9].

segunda exigência a ser cumulativamente observada para a relativização da pactuação prévia, segundo a CSRF, estaria conectada com o fato de não ser possível imputar ao sujeito passivo da obrigação tributária a responsabilidade pela mora na celebração do plano de PLR, porquanto, em se tratando de CCTs, repousa o encargo nos sindicatos, patronal e sindical, de dada categoria. Dito que, "[n]o caso concreto, a celeuma envolvia Convenções Coletivas de Trabalho, o que implica que a recorrente não era parte direta das negociações, cabendo-lhe tão somente cumprir o que fora pactuado entre os sindicatos dos empregadores e dos empregados, circunstância que, se não afasta, por si só, a falta de pacto prévio, ao menos enfraquece muito a tese de sua necessidade ante as peculiaridades tratadas nos (...) autos" [10].

Por derradeiro, a terceira condição inarredável seria ligada ao conhecimento das obreiras e obreiros das regras de incentivo à produtividade, com a consequente percepção de verba a título de PLR. Asseverado que "as Convenções reproduzem as Convenções de anos anteriores (a exemplo de 2011 e 2012), as quais continham simples previsões de pagamentos de parcelas fixas, com simples atualizações, das parcelas fixas, de um ano para outro, de tal forma que havia, sim, previsibilidade (...)" [11].

Dentre as técnicas de aplicação dos precedentes judiciais está a do signaling (sinalização, no vernáculo), que corresponde a um meio-termo entre o distinguishing (diferenciação) e o overruling (superação) [12]. Do próprio nome dado à técnica é possível inferir seu significado: trata-se de um indicativo — uma sinalização — de que o entendimento jurisprudencial antes externado poderá ser em breve modificado ou mitigado, a depender das circunstâncias e peculiaridades do caso concreto.

O novel precedente da CSRF, como visto, escora-se amplamente em premissas fáticas bastante específicas, que não se revelam de fácil reiteração. Ainda que não nos pareça haver sinalização de mudança do entendimento consolidado, lança bem-vindas luzes sobre a mais marcante característica do contencioso administrativo fiscal: o debruçar sobre o caderno processual para minuciosa análise dos fatos e das provas ali carreados.

 

Este texto não reflete a posição institucional do CARF, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.

 

 

 


[1] CARF. Acórdão nº 9202-010.625. Cons. Rel. MAURICIO NOGUEIRA RIGHETTI. Redator Designado Cons. JOÃO VICTOR RIBEIRO ALDINUCCI, sessão de 21 mar. 2023 [voto de qualidade]. O julgamento, decidido pelo voto de qualidade, que acabou por dar provimento ao recurso especial interposto pelo sujeito passivo, ocorreu durante a vigência da MP nº 1.160/2023, que, em seu art. 1º, determinava que “[n]a hipótese de empate na votação no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, o resultado do julgamento será proclamado na forma do disposto no § 9º do art. 25 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972.”

[2] CARF. Acórdão nº 9202-010.514. Cons. Rel. MAURICIO NOGUEIRA RIGHETTI, sessão de 22 nov. 2023 [unanimidade].

[3] Avenças celebradas entre os sindicatos, federações e confederações com empresas de uma determinada categoria.

[4] Acordo entabulado entre o sindicato dos trabalhadores e uma dada empresa, que podem promover melhoria naquilo que firmado na CCT (se houver).

[5] Cf. CARF. Acórdão nº 9202-010.625. Cons. Rel. MAURICIO NOGUEIRA RIGHETTI. Redator Designado Cons. JOÃO VICTOR RIBEIRO ALDINUCCI, sessão de 21 mar. 2023 [voto de qualidade] – f. 8.734. \

[6] Colhe-se do voto vencedor proferido pelo Cons. CAIO EDUARDO ZERBETO ROCHA o seguinte excerto delimitador da dissonância: “Por outro lado, no que diz respeito às Convenções Coletivas de Trabalho, a divergência instaurada diz respeito apenas quanto à data em que foram formalizadas.” – f. 8.025 do acórdão CARF nº 2202-006.086.

[7] Cf. art. 67 do Regimento Interno do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (RICARF).

[8] Qual seja: “(iii) todas as demais acusações fiscais foram superadas pelas instâncias anteriores do contencioso administrativo fiscal, restando, unicamente, a acusação relativa ao descumprimento do pacto prévio ao período aquisitivo, ou quando a única acusação fiscal originária for a de descumprimento do pacto prévio.” CARF. Acórdão nº 9202-010.625. Cons. Rel. MAURICIO NOGUEIRA RIGHETTI. Redator Designado Cons. JOÃO VICTOR RIBEIRO ALDINUCCI, sessão de 21 mar. 2023 [voto de qualidade].

[9] Em sentido similar está o posicionamento do col. Superior Tribunal de Justiça, cf.: EDcl no AgRg no REsp nº 1.338.133/MG, REsp nº 1.264.897/PE, AgRg no Ag. 1.299.462/AL, EDcl no REsp nº 811.416/SP, EDcl no nº MS 21.315.

[10] Cf. a declaração de voto do Cons. FERNANDO BRASIL DE OLIVEIRA PINTO às f. 8.747 em: CARF. Acórdão nº 9202-010.625. Cons. Rel. MAURICIO NOGUEIRA RIGHETTI. Redator Designado Cons. JOÃO VICTOR RIBEIRO ALDINUCCI, sessão de 21 mar. 2023 [voto de qualidade].

[11] CARF. Acórdão nº 9202-010.625. Cons. Rel. MAURICIO NOGUEIRA RIGHETTI. Redator Designado Cons. JOÃO VICTOR RIBEIRO ALDINUCCI, sessão de 21 mar. 2023 [voto de qualidade].

[12] MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 335

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 4 de outubro de 2023, 8h00, Por Ludmila Mara Monteiro e João Victor Ribeiro.