OPINIÃO: Prejuízo a atividade empresarial pode limitar penhora de faturamento

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A Constituição reconhece a importância da empresa como instituição, em razão de sua função social, utilizando-se como princípio norteador do direito à preservação da atividade empresarial

 A Constituição reconhece a importância da empresa como instituição, em razão de sua função social, utilizando-se como princípio norteador do direito à preservação da atividade empresarial. Atualmente a empresa, como instituição, não gera somente benefícios à sociedade empresária, mas também colabora, diretamente, para melhoria salarial, circulação de bens, prestação de serviços, bem como na formação e qualificação de mão-de-obra, resultando na melhora da qualidade de vida do trabalhador e da coletividade como um todo.

Ao lado da função social caminha o Princípio da Preservação da Empresa, cuja máxima pauta-se na necessidade da continuidade como atividade, por ser decorrência desta a geração de lucros, empregos e tributação. Assim sendo, conclui-se que há nítido interesse público na preservação da empresa. Diante disso, toda e qualquer decisão a ser tomada que coloque em risco esta atividade deve observar a função econômica social que a empresa desempenha, ponderando as consequências sociais que uma eventual falência geraria

No entanto, não raras as vezes identificamos decisões judiciais abusivas, que ignoram essa proteção constitucional, assim como o Princípio da Menor Onerosidade da Execução, determinando a penhora de faturamento, medida que traz consequências inquestionavelmente severas às empresas.

 

Conforme estabelecido pelo ordenamento jurídico brasileiro, para que seja deferida a penhora sobre o faturamento empresarial, devem ser observados os seguintes requisitos: (1) inexistência de outros bens disponíveis para penhora ou, caso existam, dificuldade de alienação ou insuficiência para quitar o débito; e (2) necessidade de fixar um percentual que garanta a satisfação do débito de forma adequada e que não inviabilize a atividade empresarial.

Assim, de acordo com a lei, a penhora de faturamento não pode ser a primeira medida adotada para satisfazer o débito em uma ação judicial. Na prática, o credor deve comprovar que esgotou todas as outras vias para obter o valor devido antes de solicitar essa restrição ao juiz. Além disso, preenchidos os requisitos legais, é necessário que o juiz nomeie um perito judicial especializado na área para realizar uma análise detalhada da documentação contábil da empresa, a fim de determinar o percentual passível de penhora que não prejudique a continuidade das atividades empresariais.

Apesar do nosso ordenamento jurídico defender claramente a proteção da empresa como instituição, verifica-se, na prática, o deferimento da medida de penhora de faturamento em ações judiciais de execução e cobrança. Quando deferida judicialmente a penhora de faturamento, é possível buscar sua reversão através de impugnação e recurso ao tribunal de instância superior.

Nos processos de natureza cível, o Superior Tribunal de Justiça tem o entendimento de que a penhora de faturamento não poderá ser deferida quando demonstrada a impossibilidade.

Já na esfera tributária, a decisão que resolver acerca da nulidade da penhora desafiará agravo de instrumento. Estando o processo em segunda instância, a nulidade absoluta poderá ser arguida pela parte interessada, sendo de rigor sua resolução pelo tribunal competente.

Como a penhora de faturamento consiste numa medida extremamente gravosa para o executado, sendo das mais excepcionais, há ainda de se deixar aberta a possibilidade de manejo do mandado de segurança.

Na esfera trabalhista, é importante ressaltar que abusos nas ordens de penhoras podem comprometer atividades e ameaçar empregos. Portanto, geralmente é determinada a penhora de um percentual do faturamento mensal da empresa, visando a preservação de sua sustentabilidade financeira.

Recentemente, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 3.083/19, que determina a penhora do faturamento da empresa em débitos trabalhistas limitados a 10% das receitas mensais.

No mesmo sentido, é a Orientação Jurisprudencial 93 da da SDI - 2, a qual destaca que a penhora de faturamento não poderá comprometer o desenvolvimento regular da atividade empresarial, bem como determina que os demais meios de penhora devem ter sido esgotados.

Imperioso mencionar, ainda, que o percentual fixado deve levar em consideração eventual pluralidade penhoras de faturamento oriundas de outros processos, sejam estes trabalhistas ou de outras esferas.

Dessa forma, o faturamento da empresa consiste em um dos últimos recursos de que se deve valer o Judiciário para garantir a satisfação dos direitos do credor, sendo esta uma medida excepcional, em razão do dever de observância do princípio da menor onerosidade da execução.

No entanto, muitas vezes ocorrem abusos nas penhoras, notadamente nas execuções trabalhistas, no qual se verificam bloqueios de altos percentuais. Caso se verifique excesso, é possível a apresentação de recurso ordinário ao tribunal, visando a redução do percentual, nos termos legais.

O STJ tem negado pedidos de penhora de faturamento em execuções fiscais apresentados pela Fazenda Nacional e estados. Os ministros foram unânimes ao afirmar que já existe jurisprudência pacífica de que a penhora sobre o faturamento só pode ser admitida em caráter excepcional e desde que o percentual fixado não torne inviável o exercício da atividade empresarial.

As decisões do STJ confirmam que a medida só pode ser adotada em último caso. Sendo assim, não basta tratar a penhora de faturamento como último recurso, após exaurida a busca por outros ativos, é essencial que jamais prejudique o regular desenvolvimento da atividade empresarial.

Se a penhora de faturamento é o último recurso a ser utilizado, isso significa, ou ao menos deveria significar, que, necessariamente, todos os demais meios de penhora foram inefetivos, e, uma vez que isso acontece, não é de se surpreender que a empresa já não esteja financeiramente sustentável.

Desse modo, a retirada do faturamento, dificulta ainda mais que essa se reinvista, se reinvente e se recupere de forma eficiente.

Assim, é possível concluir que a penhora de faturamento evidencia inegavelmente algum grau de prejuízo a empresa, podendo este grau servir de base para o indeferimento da referida penhora.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 22 de agosto de 2023, 10h26, por Felipe Porfirio