OPINIÃO Débito em dívida ativa e o custo ao contribuinte: 40% é suficiente?

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Poucos contribuintes de fato conhecem quanto deverão pagar de multa moratória, caso deixem de recolher os tributos e contribuições sociais na data do vencimento

 Poucos contribuintes de fato conhecem quanto deverão pagar de multa moratória, caso deixem de recolher os tributos e contribuições sociais na data do vencimento. E tudo se inicia por força do artigo 61 da Lei nº 9.430/96, que prevê que os débitos serão acrescidos de multa diária de 0,33% ao dia, limitado ao máximo de 20%, a chamada multa de mora. Assim, quer o contribuinte atrase 60 dias ou mais, a multa continuará sendo 20%, ou como dito, 0,33% ao dia.

 Nessa escalada, além desse altíssimo acréscimo de 20%, soma-se ainda os juros e correção monetária, previstos no §4º do artigo 39 da Lei nº 9.250/96, com a incidência da taxa Selic, mês a mês.

Não realizado o pagamento do débito, o mesmo fica registrado no sistema da Receita Federal, impossibilitando, inclusive, a retirada de certidão negativa junto ao órgão e outros efeitos negativos imediatos ao contribuinte, principalmente junto às instituições financeiras, o qual poderá ser inscrito no Cadastro Informativo de créditos não quitados do setor público federal (Cadin)conforme prevê a Lei nº 10.522 de 19 de junho de 2002.

Esse débito em aberto dentro da Receita passará para a cobrança administrativa amigável, e o contribuinte recebe uma carta do órgão informando o débito para pagamento antes de ser enviado para a dívida ativa, quando se iniciará um processo judicial de cobrança ou de protesto em cartório.

Portaria nº 447, de 25 de outubro de 2018, estabeleceu 90 dias da data em que se tornarem exigíveis, os débitos de natureza tributária ou não tributária devem ser encaminhados pela RFB à PGFN (Procuradoria da Fazenda Nacional), para fins de inscrição em Dívida Ativa da União.

Através desse simples encaminhamento do débito para inscrição, o débito do contribuinte ganhará mais um prêmio por não acertar as contas na seara administrativa, aumentando o débito em mais 20%, diga-se, um ato que ocorre via sistema, nesse momento, passados aproximadamente 150 dias, o débito aumentou 40%.

Haveria alguma plataforma de investimento mais rentável do que isso? Nos parece que não. E os acréscimos ainda não terminaram.

Ainda tem gente que defende que nos livramos da alta tributação imposta pelos portugueses, que criam o primeiro imposto no Brasil, o chamado "Quinto do Pau-Brasil", em que a quinta parte de toda a descoberta deveria ser pago a Coroa Portuguesa. Mas, com nossas multas de mora e por inscrição em dívida ativa, sim, já estamos quase no mesmo valor do quinto do pau-brasil, e as vezes queremos acreditar que estamos livres da onça, mas esquecemos que caímos na boca dos leões.

Diante de tanta cobrança, surge a inconfidência mineira. Será que viveremos isso novamente?

Pois bem, continuando com nossa conta matemática, se podemos  chamar isso de conta matemática, ou de conta que mata-mata, vamos acrescentar mais 10% sobre esses débitos, e esse acréscimo ocorrerá, caso o débito inscrito na dívida ativa (PGFN) não seja ali parcelado ou pago, e a PGFN tenha que efetivamente iniciar um processo judicial de cobrança forçada, chamado de execução fiscal, nos termos da Lei 6.830/80, quando então se iniciará pedidos de penhora de valores em conta corrente do devedor, penhora de bens e imóveis, até chegar na penhora do faturamento da empresa.

Nesse caso, o débito originário, em um prazo médio de 180 dias da data do vencimento, já subiu 40%, e aí, os tidos como mal pagadores, começam a ser caçados para que paguem o que devem, e aí que percebemos que o quinto do pau-brasil não era tão mal assim, pois, no caso, se a dívida fosse de R$ 10 mil, o quinto representaria R$ 2.000, ao passo que as multas acima mencionadas, o valor representaria R$ 4.000.

Bom, vamos imaginar que esses R$ 10 mil se referem a somente um tributo, por exemplo, se fosse uma dívida de do IRPJ, no entanto, o contribuinte já deve ter recolhido outros tributos, como IRPJ, CSLL, PIS, Cofins, IPI e quem sabe outros tantos, ou seja, sobre a base de cálculo do valor devido, cada vez que se atrasar e o débito seguir até a PGFN, cada um deles será acrescido de até 40%.

Não existe no direito nada tão expressivo como essas multas de mora, em que pese a jurisprudência entender que elas servem para desestimular o não pagamento, é por certo, que a maioria dos contribuintes não deixam de recolher porque tendem a ser mal pagadores, mas na maioria dos casos, pelo próprio risco do negócio e a instabilidade econômica do País, que não dá a segurança que as classes precisam.

Não se defende aqui os não pagadores, mas também não podemos aceitar que todos são mal pagadores, e para tanto basta averiguarmos quantas empresas fecham suas portas a cada ano segundo o IBGE, e não podemos imaginar que 1,4 milhão de empresas encerram suas atividades somente em 2021 por serem maus pagadores.

Por certo, não fecharam somente para deixar de pagar o que devem ao governo, porque encerrar uma empresa é um ato trágico para qualquer empresário.

Já acompanhamos muitos fechamentos, na chamada autofalência, na qual o empresário não consegue mais tocar o negócio, por diversos motivos. Todos os fechamentos foram com lágrimas, nenhum encerrou suas atividades sorrindo e dizendo, fechei e ainda fiquei devendo, conseguimos! Vencemos!

Com esse contexto histórico do passado e atual ao mesmo, nossos legisladores precisam repensar o assunto, já que esse assunto parte do Congresso.

Os tempos mudaram, mas muitas leis tributárias ainda permanecem com seu viés arrecadatório, sem entender os efeitos da vedação de confisco e do próprio direito de propriedade, e as vezes, como demonstrado, o quinto do pau-brasil ainda seria melhor.

Nesse contexto de aumento das multas de mora, ainda existe um outro problema sobre o acréscimo dos 10% quando o débito se encontra na procuradoria e nesse momento ele é parcelado pelo contribuinte, ou seja, com a saída do sistema da Receita Federal e entrada na PGFN, o débito aumenta 10%, e nesse momento, se o contribuinte for parcelar o débito na Fazenda, embora a PGFN não tenha ajuizado o débito, mesmo assim, ele será acrescido de mais 10%, nos termos do §1o do artigo  37-A, da Lei nº 10.522/02, onde esses 10% representam substituição da condenação do devedor dos honorários de sucumbência de um processo judicial que sequer ainda existe.

"Artigo 37-A - Os créditos das autarquias e fundações públicas federais, de qualquer natureza, não pagos nos prazos previstos na legislação, serão acrescidos de juros e multa de mora, calculados nos termos e na forma da legislação aplicável aos tributos federais. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)
§1º - Os créditos inscritos em Dívida Ativa serão acrescidos de encargo legal, substitutivo da condenação do devedor em honorários (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)."

E, sobre o benefício para contribuinte, sobre o decréscimo de 10% no valor da dívida, dispõe o decreto-lei nº 1.569/77, em seu artigo 3º que:

"(...), será reduzida para 10%, caso o débito, inscrito como Dívida Ativa da União, seja pago antes da remessa da respectiva certidão ao competente órgão do Ministério Público, federal ou estadual, para o devido ajuizamento."

Pois bem, antes de discorrer sobre o tema, insta salientar a importância da interpretação das normas em nosso sistema jurídico legislativo.

Já dizia Apud Karl Larenz que:
"Não se pode interpretar nenhum texto jurídico a não ser colocando-o em relação com problemas jurídicos concretos (reais ou imaginários), com soluções que se procuram para os casos ocorrentes, porque é somente na sua aplicação aos fatos da vida e na concretização, que assim necessariamente se processa, que se revela completamente o conteúdo significativo de uma norma e ela cumpre a sua função de regular situações concretas" [1].

Assim, cabe a todos a interpretação das normas, para que elas possam atingir seus objetivos teleológicos preestabelecidos pelo legislador, à época do início de sua vigência. Ou seja, é necessário que busquemos encontrar quais eram suas intenções, ao criar uma lei que buscava, ou incentivar o contribuinte a quitação das dívidas, ou beneficiar os cofres públicos.

Além do mais, princípios da administração pública devem sempre ser observados, tanto para a criação da norma, ou para a interpretação de sua eficácia. Seriam eles, por exemplo, o da razoabilidade, e o da moralidade pública.

Em qualquer hipótese, interpretar uma norma isoladamente é desconsiderar o sistema jurídico. Como ensina Becker [2], a norma isolada não existe. Ao mesmo teor, é isolar a norma através de interpretação diferente àquela que quis o legislador, ou interpretá-la hoje, com olhos no passado, já que até mesmo a lei é viva, pois, ao contrário, toda lei nasceria morta!

Daí porque, inclusive em matérias contidas na constituição federal admite-se a chamada mutação constitucional sem alteração do texto, eis que evolução e do tempo é um poder de alteração da interpretação da norma.

Isso exposto, ao se falar de uma ação judicial que ainda não foi proposta sobre a dívida ativa, não se pode haver acréscimo de 10% de encargos legais, afinal, a interpretação teleológica da norma, diz que o devedor de boa-fé não pode ser onerado a mais, quando busca quitar a dívida antes dos procedimentos previstos.

Pelo contrário, deve ser beneficiado com o decréscimo da mesma porcentagem!

Assim, à época que a redação do decreto-lei nº 1.569/77 foi escrita, o qual dispõe do benefício do decréscimo, a remessa de certidões poderia demorar dias, semanas ou até meses, pois todos os processos eram físicos.

Ou seja, o contribuinte ainda poderia efetivar o pagamento da sua dívida, com o decréscimo de 10%, por um período muito maior.

Hoje em dia, em razão dos processos estarem se tornando totalmente eletrônicos, assim como as remessas das certidões que acontecem em instantes, o tempo para que o contribuinte possa quitar a dívida com o decréscimo diminuiu absurdamente, fugindo, como já relatado, dos objetivos teleológicos do legislador, que buscava beneficiar o devedor com o decréscimo, quando paga a dívida antes da remessa.

É coerente que, em razão da norma ter sido escrita em 1977, ou seja, a mais de 40 anos, sua interpretação para aplicação prática seria alterada.

Afinal, hoje, os procedimentos administrativos e judiciais ocorrem em instantes, e não mais em dias ou meses. Assim, interpretar uma norma antiga, e aplica-la na prática dos dias de hoje como se o sistema ainda fosse o mesmo, é simplesmente fugir do bom-senso jurídico.

Diante de tais absurdos que ainda acontecem, umas das conclusões que se chega, é que "se a letra fria da lei não cobre tudo o que no seu espírito se contém, a interpretação integrativa se impõe como medida de Justiça" [3].

Já dizia também Manoel Gonçalves [4]:

"A lei deve ter por conteúdo o direito, isto é, a justiça, pois é a aplicação desta às relações dos homens entre si, em função das peculiaridades de vida em cada Estado, peculiaridades decorrentes da disparidade de fatores a influir sobre cada sociedade. Não é, portanto, o legislador verdadeiramente o criador da lei; mais correto será considerá-lo, à luz do pensamento de Montesquieu, mero descobridor da lei. Como o cientista no laboratório (...), o legislador não cria as leis, mas apenas as revela em fórmulas, para que sejam bem compreendidas e praticadas na sua integridade, no seu concerto natural, evitando a desintegração da natureza e da sociedade dos seres humanos."

Mais do que a letra fria da lei, mas a sua essência, ou seja, o seu espírito, é o que há de mais importante. Porque é dele que podemos compreender as suas reais intenções teóricas e práticas para nossos dias.

Dessa maneira, é evidente que a interpretação atual, ou seja, de que se é acrescido de 10% de encargos legais a partir da remessa da certidão de dívida ativa, é errônea. Afinal, como já afirmado, a agilidade que nos trouxe o sistema jurídico eletrônico nos permite entender que, atualmente, o artigo se refere ao ajuizamento da execução fiscal, e não apenas da expedição da certidão, que ocorre de maneira diferente e inimaginável para o legislador de 1977.

Na prática, os contribuintes não podem ser prejudicados por encargos ilegais e abusivos, enquanto a certidão de dívida ativa não for devidamente ajuizada como execução fiscal, pois isso violaria o bom-senso da moralidade pública, prejudicando o contribuinte de boa-fé com valores abusivos. Pelo contrário, o pagamento deve ser decrescido de 10%, caso esse quitado antes do ajuizamento.

E isso é dito porquanto o excesso de interpretação restritiva caracteriza verdadeiro abuso de direito, e verdadeira coação ilegal e imoral.

O direito usado com desalinho, pela própria administração tributária federal, é verdadeiro abuso de direito, combatido por nosso sistema jurídico.

Afinal, "O titular de um direito que, entre vários meios de realiza-lo, escolhe precisamente o que, sendo o mais danoso para outrem, não é o mais útil para si ou mais adequado ao espírito da instituição, comete, sem dúvida, um ato abusivo, atentando contra a justa medida dos interesses em conflitos e contra o equilíbrio das relações jurídicas" [5].

Ao abordar as questões pertinentes às aqui tratadas o professor Marcelo Figueiredo, com maestria, leciona [6]:

"Nas relações de direito público o tema reaparece, paulatinamente, com a teoria do abuso do poder. Ademais, percebeu-se que, de fato, o Estado não pode estar alheio aos aludidos princípios. Deveras, o cidadão, o indivíduo, deve poder contar com que o Estado aja com lealdade, com boa-fé. Como pontifica Jesús Gonzáles Pérez, trazendo sentença do Tribunal Constitucional espanhol, “o fundamental está na proteção da confiança, já que o contrário é atacar a boa-fé, que certamente se fundamenta em uma coerência de comportamento nas relações humanas e negociais."

Aliás, o constitucionalista Luís Roberto Barroso, ministro do STF, ao estudar o tema, colaciona lição do professor Celso Bandeira de Mello, na qual o mesmo ministra que:

"A ordenação normativa propõe uma série de finalidades a serem alcançadas, as quais se apresentam, para quaisquer agentes estatais, como obrigatórias. A busca destas finalidades tem o caráter de dever (antes do que 'poder'), caracterizando uma função, em sentido jurídico."(...)
Como não há outro meio para se atingir esta finalidade, para obter-se o cumprimento deste dever, senão irrogar a alguém certo poder instrumental, ancilar, ao cumprimento do dever, surge o poder, como mera decorrência, como mero instrumento impostergável para que se cumpra o dever. (...) percebe-se que o chamado 'poder discricionário' tem que ser simplesmente o cumprimento do dever de alcançar a finalidade legal."

E arremata o autor:
"A lei só quer aquele específico ato que venha a calhar à fiveleta para o atendimento do interesse público. Tanto faz que se trate de vinculação, quanto de discrição. O comando da norma sempre propõe isto. Se o comando da norma sempre propõe isto e se uma norma é uma imposição, o administrador está, então, nos casos de discricionariedade, perante o dever jurídico de praticar, não qualquer ato dentre os comportados pela regra, mas, única e exclusivamente aquela que atenda com absoluta perfeição à finalidade da lei" [7].

O que vem se observando, é que existe violação do artigo 2.º da Lei 9.784/1999, quando da não observância dos princípios que devem nortear a administração pública, dentre eles os da objetividade; adequação de meios e fins; simplicidade, e interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público.

Portanto, conclui-se que as interpretações devem sempre buscar os objetivos teleológicos do legislador, não podendo ser captadas com objetivos que fogem das suas reais intenções práticas.

Ou seja, a multa moratória em 20% de atraso, mais o acréscimo de 10% no valor do montante da dívida, no momento do envio para dívida ativa, mais os 10% com o ajuizamento, leva a multa a 40% sobre o tributo devido dentro de um prazo de no máximo 180 dias, o que acaba demonstrando que o quinto do pau-brasil era mais barato que o que pagamos hoje.

Por favor, nos libertem dessa tributação: esse ainda é o grito da nação!


[1] Apud Karl Larenz, Metodologia da ciência do direito, ed. de 1978, p. 396.

[2] BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 3.ed. São Paulo: Lejus, 1998, pp.115/116

[3] Parecer AGU GQ-96/1996, aprovado pelo Parecer AGU 1/1996, DOU 18.01.1996

[4] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do processo legislativo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 46

[5] In Curso de Direito Comercial. 18a. ed. São Paulo: Saraiva, 1992. 2 v.p. 363.

[6] In O Controle da Moralidade na Constituição. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 105 e 106.

[7] In: Temas de Direito Constitucional, Tomo II. Ed. Renovar: São Paulo, 2003, p. 364.

Revista Consultor Jurídico, 9 de maio de 2023, 7h13,  Por Juarez Casagrande, https://www.conjur.com.br/2023-mai-09/juarez-casagrande-debito-divida-ativa-custo-contribuinte