OPINIÃO: Uma análise dos precatórios sob a ótica do Direito Comparado

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Para ampliar o debate e a análise do sistema de precatórios no Brasil, importante identificar como são operacionalizados os pagamentos de dívidas judiciais pelo Estado em outros países

 Para ampliar o debate e a análise do sistema de precatórios no Brasil, importante identificar como são operacionalizados os pagamentos de dívidas judiciais pelo Estado em outros países. O exemplo dos Estados Unidos e da Alemanha conseguem se aproximar de sistemas eficientes de pagamentos.

 
 
O fundo de julgamento nos Estados Unidos é responsável pelo pagamento de condenações e acordos decorrentes de processos judiciais, bem como acordos extrajudiciais celebrados pelo governo em que este é a parte devedora [1]. No orçamento fiscal de 2021, o fundo efetuou o pagamento de mais de US$ 8 bilhões [2].
 
Diferente de como ocorre no Brasil, o fundo de julgamento já é previsto no orçamento do ano anterior para o pagamento das despesas referente ao corrente ano. Ou seja, a requisição de pagamento não precisa ser incluída no orçamento do ano seguinte para que seja paga, tendo em vista que já existe uma previsão orçamentária prévia para o pagamento de despesas decorrentes de condenações ou acordos celebrados pela administração pública norte-americana.
 
O procedimento para resgate do fundo é simplificado. Após o trânsito em julgado da decisão que condenou o Estado americano, agências federais fazem o pedido de pagamento ao fundo. Após o pedido aceito, o pagamento leva em torno de duas semanas para ser processado [3].
 
 
Um ponto interessante é a conferência da regularidade fiscal da parte que é credora do governo antes de efetivado o pagamento [4]. Caso a parte possua débitos com o governo norte-americano, o valor devido é abatido do valor a ser pago. Esta prática, no Brasil, infelizmente foi considerada inconstitucional pelo STF [5], sendo impedida a compensação, gerando um acúmulo ainda maior de precatórios e um entrave para a redução do estoque de dívida ativa.
 
Já os alemães prezam por um sistema jurídico em que a administração pública respeite fielmente a lei [6], da forma que existam meios efetivos de garantir os direitos reconhecidos através de sentenças judiciais [7].
 
O Código de Processo Administrativo Alemão, no seu parágrafo 170, determina que o tribunal procederá a execução mediante requerimento do credor e a administração pública resta compelida a cumprir as ordens judiciais conforme as normas da execução. Porém, antes de iniciar a execução, o tribunal deve intimar o Estado para que faça o pagamento em um prazo não superior a 30 dias. Na Alemanha, maior parte das condenações as obrigações são cumpridas [8] antes mesmo de aberto o processo de execução.
 
Percebe-se que a distância do Brasil para os países desenvolvidos no quesito de pagamento de sentenças contra o ente público é muito grande. Estamos longe de ter fundos de julgamento, como existe nos Estados Unidos ou até mesmo de um respeito fiel da lei pelos entes públicos, como acontece na Alemanha, com pagamento da dívida pelo Estado antes da execução. Temos que sonhar dentro da realidade e idealizar um sistema em que o orçamento seja suficiente para que o Estado honre com suas dívidas.
 
Pode até se falar que não existe orçamento para o pagamento de precatórios, mas claramente isto não se deve pela falta de recurso. Ocorre que a verba é destinada para temas de maior relevância política e não existe uma força defenda os interesses dos credores do Estado brasileiro.
 
Existe uma falta de interesse em solucionar definitivamente o problema dos precatórios com vistas a desvincular o pagamento do orçamento do ente federativo, garantindo a efetividade orçamentária do sistema.
 
Sobretudo, falta a criação de mecanismos que tornem o sistema de pagamentos eficiente, com objetivo em gerar liquidez para os créditos, sendo eles a transparência na expedição, facilidade, agilidade e segurança jurídica na alienação dos títulos, a compensação automática de precatórios com dívidas ativas, o alinhamento com os entes recebedores de outorgas para fins de compensação e principalmente a celeridade no recebimento dos valores após a disponibilização pela União.
 
Existe um longo caminho a ser percorrido e se deve começar pelas tarefas mais tangíveis, não podendo o Poder Judiciário ser um agente que impeça a eficiência dentro do sistema de pagamentos de precatórios.
 
 
[1] Disponível em https://www.fiscal.treasury.gov/judgment-fund/award-payment-process.html
 
[2] Disponível em https://jfund.fiscal.treasury.gov/jfradSearchWeb/JFPymtSearchAction.do
 
[3] Disponível em https://www.fiscal.treasury.gov/judgment-fund/faqs.html
 
[4] Disponível em https://www.fiscal.treasury.gov/judgment-fund/award-payment-process.html
 
[5] ADI 4.357, STF - Disponível em https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=6812428
 
[6] KLOSTERMANN, Peter Karl. A execução forçada por quantia certa no direito alemão. Trad.: Luís Grecco. Série Cadernos do CEJ nº 23. "A estrita vinculação da Administração à lei, que representa um princípio fundamental do direito constitucional e que influencia de modo marcante a formação do serviço público, compreende também a obrigação legal de cumprir as decisões dos tribunais".
 
[7] ANDRADE, Thiago Xavier. A execução contra a fazenda pública no direito brasileiro: o regime de precatórios e a efetividade da prestação jurisdicional.. Lisboa, 2013..
 
[8] Tradução: Antes de expedir o título executivo, o tribunal notificará a autoridade ou, tratando-se de sociedades, instituições e fundações de direito público contra as quais a execução deva ser executada, o representante legal da pretendida execução, com o pedido de execução a execução em prazo a fixar pelo tribunal. O prazo não deve ultrapassar um mês. Original disponível em: https://www.gesetze-im-internet.de/vwgo/__170.html
 
 
Pietro Ceccatto Esper Maués advogado, especialista em Direito Previdenciário pela Esmafe-PR e em Direito Tributário Empresarial pela PUC-PR.