OPINIÃO Prescrição intercorrente e o precedente do Supremo Tribunal Federal

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Há uma anedota grega antiga, contada por Ciro em seu Tusculanae Disputationes, a respeito de um homem chamado Dâmocles que muito invejava e bajulava o tirano Dionísio de Siracusa, dizendo o quanto ele era afortunado por ter tudo o que um homem poderi

Há uma anedota grega antiga, contada por Ciro em seu Tusculanae Disputationes, a respeito de um homem chamado Dâmocles que muito invejava e bajulava o tirano Dionísio de Siracusa, dizendo o quanto ele era afortunado por ter tudo o que um homem poderia querer. Dionísio, então sugere que eles troquem de lugar por um dia para que Dâmocles possa sentir como é ser detentor de toda àquela sorte e fortuna. Ao mesmo tempo, Dionísio determina que uma espada, sustentada por um fio de rabo de cavalo, seja colocada sobre a cabeça de Dâmocles, o que faz com que este perca todo o interesse por aquela vida afortunada.

Pois bem, o conto de Dâmocles e Dionísio é utilizado para simbolizar a insegurança de quem, para obter ou deter algum poder ou responsabilidade, é submetido a viver com o risco iminente de uma espada sobre sua cabeça. Nos meios acadêmicos, a anedota é comumente lembrada quando se fala da insegurança das cobranças eternas e como institutos a exemplo da decadência e da prescrição são importantes, especialmente quando se fala em questões tributárias.

Uma das grandes preocupações dos contribuintes sempre foi a espada na cabeça representada pelas execuções fiscais e o risco de ali permanecer, por um fio, por longos anos. É verdade que a inclusão do parágrafo 4 ao artigo 40 [1] da Lei de Execuções Fiscais (LEF) trouxe importante previsão para estabilidade das relações jurídico-tributárias também no campo processual, mas as dúvidas sobre sua aplicabilidade trouxeram danos a sua efetividade.

Eis que na última semana foi finalizado o julgamento de um importante precedente para a matéria: o Recurso Extraordinário nº 636.562/SC — tema 390 de Repercussão Geral — em que se discutia o termo inicial para a contagem do prazo de que dispõe a Fazenda Pública para encontrar e indicar bens do executado: se do despacho que determina a suspensão do processo ou se após o término de um ano deste despacho.

Esse é um tema que tem causado bastante divergência na jurisprudência, uma vez que há decisões nos mais diversos sentidos. O próprio acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região guerreado no Recurso Extraordinário em questão havia entendido que uma vez paralisado o processo por mais de cinco anos, e ausente causa de suspensão ou interrupção do prazo, se operava a prescrição intercorrente.

O acórdão recorrido se baseou na hierarquia formal entre lei complementar e lei ordinária, afirmando que as diretrizes relativas à decadência e prescrição que estão no Código Tributário Nacional devem prevalecer à Lei de Execuções Fiscais (Lei 6.830/80), que se trataria de norma hierarquicamente inferior. Assim, uma vez que a prescrição quinquenal prevista no artigo 174 do CTN não aponta hipótese de suspensão do prazo, não poderia o artigo 40 da LEF fazê-lo.

Pois bem, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela constitucionalidade do artigo 40 da LEF e, deste modo, pela possibilidade de a Fazenda ter a possibilidade de buscar bens do(s) executado(s) por um ano antes do início da contagem do prazo prescricional.

Vemos que a decisão do Supremo trouxe alguns questionamentos, como se a decisão não iria de encontro a seu próprio entendimento quando reconheceu a existência de reserva de lei complementar para dispor sobre prescrição e decadência em matéria tributária ou mesmo se teria acertado ao, na prática, chancelar um prazo prescricional de seis anos, diferentemente do prazo quinquenal estabelecido pelo CTN (seis a cinco).

Refletimos aqui sobre alguns pontos dessas questões, a partir de duas perspectivas: o veículo normativo aplicável para regular prescrição e decadência e a necessidade do direito de solucionar questões em um prazo determinado.

Iniciemos com a questão do tempo e segurança jurídica. Sem uma resposta tempestiva às controvérsias que lhe são impostas, o direito se afasta da noção de segurança que lhe é imperativo. Direito certo é direito entregue em prazo razoável. O tempo indeterminado gera incerteza ao jurídico, especialmente, para soluções de lide. Sendo a lide uma patologia, deve ser encerrada em tempo razoável. Justamente por isso, o prazo prescricional no direito deveria contemplar as diversas hipóteses que podem por ventura surgir, buscando-se evitar lacunas que eternizem o processo. Vamos retomar essa ideia mais adiante.

Passemos, agora, à questão formal do veículo necessário para tratar de prescrição. Aponte-se que a ideia de separação de competência material entre lei complementar e lei ordinária é um norte que vem influenciando a jurisprudência da Suprema Corte em diversas decisões. Assim, por exemplo, no RE nº 172.058 em que se reconheceu a inconstitucionalidade do Imposto de Renda Retido na Fonte sobre o Lucro Líquido (ILL) por afrontar o artigo 43 do Código Tributário Nacional; nas decisões que se reconheceram a inconstitucionalidade do prazo decadencial de dez anos para contribuições previdenciárias que deram ensejo à Sumula Vinculante nº 08; no RE nº 576.935/SC, que julgou inconstitucional a inclusão de desconto incondicional na base de cálculo do IPI realizada pelo parágrafo 2º do artigo 14 da Lei 4.502/1964, com redação dada pelo artigo 15 da Lei 7.798/1989; e tantas outros exemplos que poderiam surgir em uma meditação mais detida sobre o tema.

Voltando-se a essa última questão e seu trato pelo Supremo, a resposta da Suprema Corte, pelo que se pode acompanhar no voto do relator, o excelentíssimo ministro Luís Roberto Barroso, foi de considerar que a suspensão de um ano do processo não seria o início do marco prescricional, mas um ato de natureza processual, relacionado ao modo de se conduzir no processo.

Se pensarmos que o texto do Código Tributário Nacional não menciona, expressamente, a prescrição intercorrente, entendemos que seria mais coerente pensar que seu início se dá imediatamente após a inércia da Fazenda Pública — o último ato processual em que tenta cobrar o sujeito passivo — do que concluir que a lei ordinária, quando indica um prazo de suspensão do processo para condicionar o início da fluência do prazo prescricional, está apenas adaptando os desígnios da lei complementar à situação específica. Afinal, por que o termo a quo é um ano após a decisão que determina o arquivamento? Por que não seis meses? Por que não um mês? A solução adotada parece muito mais uma decisão política que interfere (difere) no termo a quo do prazo prescricional, do que uma mera adaptação do texto da lei complementar que rege a matéria.

De qualquer forma, independentemente de pontos de vistas diferentes, tão natural ao direito, o fato é que a questão, sendo decidida, coloca de modo claro a regra geral para o marco inicial da prescrição intercorrente.

Mas, o voto do excelentíssimo ministro Luís Roberto Barroso, porém, não parou por aí. Foi pontuada questão significativa a respeito da segurança no tempo: o fato de não ser necessário o expresso pronunciamento judicial determinando o arquivamento do processo para o início do prazo prescricional, isto porque, como bem sabemos, esta determinação pode nunca chegar a ocorrer tornando o instituto vazio e deixando o contribuinte, mais uma vez, com a espada sobre sua cabeça.

Ao assim propor, elimina-se uma lacuna importante que poderia gerar processos imprescritíveis, prestigiando a finalidade desse instituto que é de resolver questões pelo tempo e evitando uma eternização das disputas.

Por isso, chamamos atenção que a tese aprovada se refere, como termo a quo do prazo prescricional, a "um ano de suspensão da execução fiscal" e não a "um ano da decisão que determinar o arquivamento" evitando, em nosso sentir, a possibilidade de o processo se tornar imprescritível por falta de decisão que imponha o arquivamento dos autos. Confira-se sua redação: "É constitucional o artigo 40 da Lei nº 6.830/1980 (Lei de Execuções Fiscais — LEF), tendo natureza processual o prazo de 1 (um) ano de suspensão da execução fiscal. Após o decurso desse prazo, inicia-se automaticamente a contagem do prazo prescricional tributário de 5 (cinco) anos".

A prescrição, assim como a decadência, são institutos que denotam essa preocupação da nossa Carta Magna com a segurança jurídica. Por existirem, evita-se que o contribuinte fique eternamente com uma "espada de Dâmocles" na cabeça, isto é, sob o risco constante de ser cobrado e ou executado por um evento que ocorrido há muito tempo.

Ao descartar a lacuna, acima mencionada, o voto do excelentíssimo ministro Barroso, assim como a tese aprovada vão ao encontro da segurança jurídica, eliminando uma possibilidade de eternização do processo — como se o tempo não corresse — o que é tão importante para um direito tempestivo.

 


[1] § 4º. Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato.

Por  e 

FONTE: CONJUR