Supremo limite da coisa julgada em matéria tributária no STF

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Incidência ou não do imposto necessita de uma análise detalhada da operação presente e das anteriores

No último dia 8 de fevereiro, o Supremo Tribunal Federal julgou dois temas em sede de repercussão geral, o de número 881 e o de número 885, respectivamente, RE 949.297 e RE 955.227, com relatoria dos ministros Fachin e Barroso. Os referidos julgamentos produzem grande impacto sobre a matéria tributária, de onde surgem debates sobre a constitucionalidade de normas, pertencendo, por isso mesmo, ao STF a palavra final. Isso ocorre em razão da complexidade das normas tributárias no Brasil, que não raras vezes, são editadas sem a necessária transparência dos elementos que devem conter, gerando múltiplas interpretações e muito dissenso.

No caso específico destes temas de repercussão geral, o ponto central foi definir a condição da coisa julgada formada em casos concretos quando houver julgamento posterior da Suprema Corte acerca do mesmo tema e em sentido antagônico ao que fora proferido na decisão transitada em julgado.

A questão há muito estava para ser enfrentada pelo Supremo e somente no último dia 8 de fevereiro, em decisão unânime, a Corte firmou entendimento de que o julgamento por ela proferido em derredor da constitucionalidade de matéria tributária, em controle concentrado, se contrário a decisões anteriores tomadas em casos concretos, perde, automaticamente, a sua validade, quebrando-se a coisa julgada anteriormente aperfeiçoada, observando-se, no caso dos impostos, o princípio da anterioridade anual e para as contribuições, a anterioridade nonagesimal.

Significa dizer, portanto, que uma vez reconhecida a constitucionalidade de um dado tributo pelo Supremo, em decisão com efeito erga omnes, eventuais decisões anteriores em sentido diverso, ainda que acobertadas pelo manto da coisa julgada material, perderão efeito, automática e infalivelmente, passando o contribuinte, que antes estava autorizado a não recolher aquele dado tributo, a ser devedor do mesmo.

Merece destacar que o tributo que é alcançado por esta decisão é aquele de trato sucessivo, cuja exigibilidade se protrai no tempo em razão de sua natureza, a exemplo do IR, do ICMS, do PIS, da Cofins, da CSLL e das contribuições previdenciárias.

Acerca da tese firmada, entretanto, vozes abalizadas têm ecoado a preocupação com a ausência de clareza do STF quanto ao marco temporal para que o contribuinte possa sofrer os efeitos destas decisões: se elas alcançarão os fatos geradores que lhes são anteriores, ainda que protegidos por decisão proferida em caso concreto ou se sua eficácia fica adstrita às hipóteses de incidência posteriores, sem que seja gerado um passivo repentino para o contribuinte.

Em verdade, por maioria de votos (6 a 5), a Corte Constitucional optou por deixar de modular os efeitos destas decisões, limitando-se a expressar atenção aos princípios da anterioridade anual e nonagesimal, além da irretroatividade, sob o argumento de que eventual modulação equivaleria a beneficiar alguns contribuintes em detrimento de outros, ante a vantagem competitiva daqueles que tiveram decisões retirando-lhes a exigibilidade tributária, violando, assim, a regra de livre concorrência.

A tese em torno dos limites da coisa julgada em matéria tributária restou assim posta pelo Supremo: "1. As decisões do STF em controle incidental de constitucionalidade, anteriores à instituição do regime de repercussão geral, não impactam automaticamente a coisa julgada que se tenha formado, mesmo nas relações jurídicas tributárias de trato sucessivo"; e "2. Já as decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos temporais das decisões transitadas em julgado nas referidas relações, respeitadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo".

Parece-nos claro que os limites temporais foram definidos e não deixam dúvidas de que somente os fatos geradores ocorridos após o trânsito em julgado das teses firmadas sob o regime de repercussão geral, de tributos de trato continuado, serão atingidos pela decisão da Corte Constitucional que reverta entendimento anteriormente prolatado em controle incidental. Somente essa interpretação mostra-se possível ante os pilares que albergam a garantia da coisa julgada: segurança jurídica e interesse social.

Isso porque não se pode imaginar imutável uma decisão que tenha barrado uma dada exação tributária, em controle incidental, mas que, em momento posterior, por meio do controle concentrado, tenha sido revelada conforme os contornos constitucionais. Em tributos de trato sucessivo, outra solução não poderia existir que não a relativização da coisa julgada anterior. Em verdade, em casos como esse, o que se tem é uma supremacia da decisão proferida em controle concentrado sobre aquela proferida em controle difuso.

Isso não significa dizer, entretanto, desobediência à coisa julgada, que terá produzido seus efeitos até ali, mas que terá a sua eficácia limitada ao tempo de validade da decisão proferida em controle concreto. A natureza das decisões é absolutamente distinta e há razões de peso a justificar a maior força conferida ao julgamento exarado em controle concentrado, sob a sistemática da repercussão geral.

Assim é que a coisa julgada formada em torno da inconstitucionalidade da CSLL para algumas empresas que questionaram a sua incidência no ano de 1992 e tiveram resultado favorável no ano de 2007, uma vez tratada em sede de controle concentrado pelo Supremo Tribunal Federal no ano em curso, ensejará, automaticamente, a invalidade da coisa julgada anterior, entretanto, não produzirá o efeito de gerar um passivo de todo o passado ao contribuinte. Os seus efeitos serão tão somente prospectivos.

Nesse sentido, o mesmo efeito deverá resultar para os contribuintes que tiveram decisões transitadas em julgado favoráveis à tese de não incidência do adicional de 1/3 de férias na base de cálculo das contribuições previdenciárias, mas que sofreram revés em torno deste entendimento, quando o Supremo decidiu, no ano de 2020, em controle concentrado, pela constitucionalidade desta incidência tributária.

Somente a partir dali, poderão os ditos contribuintes sofrer as consequências desta nova decisão.

A título exemplificativo, imagine-se a situação de uma empresa que tendo obtido, no ano de 2014, decisão judicial favorável à exclusão do adicional de férias da base de cálculo da contribuição previdenciária patronal deixou, por isso, de recolher essa verba.

No ano de 2020, entretanto, a maioria dos ministros da Corte proveu parcialmente o Recurso Extraordinário (RE) 1.072.485, com repercussão geral (Tema 985), interposto pela União contra decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) que considerou indevida a incidência da contribuição sobre a parcela, alterando o entendimento que estava consolidado nos tribunais inferiores e também no STJ (tema repetitivo 479 — março de 2014) [1].

Ora, somente após o trânsito em julgado desta última decisão do Supremo e passados 90 dias desta data (anterioridade nonagesimal), estará o contribuinte obrigado a incluir o adicional de férias na base de cálculo das contribuições devidas, não sendo legítimo que lhe sejam impostos juros e multas quanto aos pagamentos de férias feitos em período anterior a esta decisão.


[1] A importância paga a título de terço constitucional de férias possui natureza indenizatória/compensatória, e não constitui ganho habitual do empregado, razão pela qual sobre ela não é possível a incidência de contribuição previdenciária (a cargo da empresa).