Retomada de serviços engorda arrecadação de ISS nas capitais

Últimas Notícias
Receita de 20 prefeituras cresce em termos reais e já supera níveis de antes da pandemia

A retomada dos serviços com a redução do número de casos de covid-19 contribuiu para a recuperação das receitas das capitais no início deste ano não só em relação a 2021 como também ao período pré-pandemia. As receitas correntes do agregado de 20 capitais somaram R$ 39,6 bilhões no primeiro bimestre de 2022, com alta real de 4,6% em relação a igual período do ano passado e de 8,6% em relação a mesmos meses de 2019. A arrecadação com o Imposto sobre Serviços (ISS), principal tributo arrecadado pelos municípios, somou R$ 7,95 bilhões, com avanços reais respectivos de 8% e 20%, na mesma comparação.

Representantes de prefeituras e especialistas destacam que é preciso olhar com cautela a retomada de receitas porque, além de uma base de comparação baixa, há incerteza em relação ao desempenho dos serviços para o decorrer do ano e também pelos efeitos da inflação no lado dos gastos.

O que jogou contra o crescimento das receitas das capitais no primeiro bimestre foi a transferência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), tributo arrecadado pelos Estados e com parte repassada aos municípios. A cota-parte do imposto recebida no agregado de 20 capitais caiu 2,3% no primeiro bimestre de 2022 em relação a iguais meses do ano passado, já como reflexo da perda de fôlego da arrecadação própria dos Estados. A arrecadação de ICMS dos respectivos Estados caiu 3,5% no mesmo critério, refletindo não só desaceleração da economia como também bases altas de comparação.

Os ganhos reais da arrecadação da União, porém, continuam ajudando no avanço das receitas municipais, já que parte da arrecadação federal do IPI, cobrado sobre produtos industrializados, e do Imposto de Renda (IR) é repassada às prefeituras via Fundo de Participação dos Municípios (FPM). A arrecadação do IPI caiu 10,4% reais de janeiro a março deste ano contra iguais meses de 2021, segundo dados divulgados ontem pela Receita Federal. O IR, porém, que tem arrecadação dez vezes maior que o IPI e por isso é bem mais representativo na cesta do FPM, somou no primeiro trimestre R$ 180,2 bilhões, com alta de 13,6% reais no mesmo período.

Os dados de receitas de Estados e municípios foram coletados pelo Valor a partir dos relatórios entregues à Secretaria do Tesouro Nacional (STN). Consideraram-se as receitas realizadas das capitais e respectivos Estados que tinham, até ontem, dados completos de receitas de todos os períodos analisados. Ficaram de fora, dentre as capitais, Macapá, Cuiabá, Palmas, Teresina, Boa Vista e Goiânia. Os valores de 2019 e 2021 foram atualizados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Os dados mostram que o aumento de receitas foi generalizado. A arrecadação de ISS em termos reais avançou em 19 das 20 capitais em relação a 2021 e em 15 delas quando se compara com 2019. O município de São Paulo se destaca, com receita de R$ 4,47 bilhões de ISS no primeiro bimestre do ano, com alta real de 10,5% contra 2021 e de 35,8% ante 2019, sempre na mesma comparação. As receitas correntes somaram R$ 15,05 bilhões, com avanço de 4,7% contra 2021 e de 9,8% em relação a 2019, sempre no primeiro bimestre.

Bernardo Motta, especialista em contas públicas e sócio da Finance Consultoria, diz que os dados de receitas das capitais estão em linha com os indicadores que mostram retomada do setor de serviços este ano em relação a 2021. Conforme a Pesquisa Mensal de Serviços (PMS), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o volume de serviços prestados no país subiu 8,4% no primeiro bimestre deste ano contra iguais meses de 2021. No acumulado em 12 meses até fevereiro, o avanço foi de 13%.

O setor de serviços foi o que mais sofreu durante a pandemia e a recuperação de arrecadação do ISS condiz com essa retomada propiciada pela abertura da economia e melhora dos indicadores de covid-19, diz Motta. Há também, destaca, o efeito da inflação que tem se disseminado e vem chegando de forma mais forte nos serviços, o que aumenta os preços que servem como base do imposto. Nesta semana o IPCA-15 de abril, prévia da inflação para o mês, também divulgado pelo IBGE, mostrou alta de 6,7% em serviços no acumulado em 12 meses.

Motta lembra também que as prefeituras como um todo devem ser beneficiadas por emenda constitucional que estabeleceu aumento de 0,25 ponto percentual no repassse de FPM neste ano. A recuperação dos serviços e das receitas das capitais, porém, chega agora em contexto diferente do que os Estados tiveram no ano passado, quando a arrecadação do ICMS surpreendeu positivamente e propiciou uma folga maior de caixa, aponta ele. Ao mesmo tempo, a melhora de serviços tem base de comparação baixa, diz ele, e a sustentação da retomada do setor depende muito do cenário macroeconômico.

“Nós vínhamos de uma base muito deprimida de ISS no primeiro bimestre do ano passado”, diz Giovanna Victer, secretária de Fazenda de Salvador, destacando que isso ajuda a explicar o atual desempenho com a arrecadação. Segundo dados dos relatórios fiscais, a receita com o ISS no primeiro bimestre de 2022 somou R$ 197,4 milhões, com alta real de 6,9% contra 2021, mas com queda de 5,4% em relação a 2019, sempre contra igual período. As receitas correntes somaram R$ 1,51 bilhão, com avanço real de 8,3% em relação a 2021 e de 7,6% contra 2019, na mesma comparação.

Giovanna diz que algumas áreas de serviços muito afetadas pela pandemia, como turismo, hospedagens e eventos se recuperam neste momento, enquanto outros segmentos, como tecnologia da informação e de saúde, se fortaleceram no decorrer dos últimos dois anos e continuam com bom desempenho. Na educação, destaca, ainda não há recuperação de arrecadação, mas a prefeitura, segundo ela, estuda se houve alguma mudança estrutural no setor, com alteração de dinamismo trazido pelo avanço do ensino a distância.

O ganho de receitas como um todo em relação ao pré-pandemia, diz a secretária, não traz quadro de tranquilidade, por enquanto. Ela conta que há alta expectativa de servidores por reajustes, num ambiente em que a inflação está acima de 10%. “Como Estados e alguns municípios já deram reajustes, há grande pressão e isso traz repercussão importante nas despesas correntes. Corremos risco de estarmos em aumento sazonal e temporário de receita de ISS e de elevar despesas de forma permanente.”
Há também, destaca, a pressão da inflação sobre custeio e investimentos. Há elevação de preços de insumos e isso, diz, pode levar a reajustes também em contratos de obras. “A avaliação é de muita cautela, para saber se essa situação vai se sustentar.”

Nos Estados, o período de desaceleração de receitas já ficou mais claro. George Santoro, secretário de Fazenda do Estado de Alagoas, diz que os setores de arrecadação ligados a turismo e hospedagem, como fretes e alimentação, têm apresentado bom desempenho dentro do ICMS. O primeiro quadrimestre de 2022, estima ele, deve fechar com avanço do recolhimento de ICMS de cerca de 3% a 4% reais em relação a iguais meses de 2021, já com efeitos do pagamento do Auxílio Brasil. Para o ano, porém, a projeção atual é de alta de cerca de 2% reais no ICMS.


Fonte: Valor Econômico