Ágio: Carf conhece menos recursos, mas decide mais a favor do contribuinte

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Mudanças na composição da turma e refinamento nos critérios para o conhecimento são responsáveis pelo cenário

Quem acompanha as sessões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) percebeu que está mais difícil que discussões sobre amortização de ágio passem da etapa do conhecimento na 1ª Turma da Câmara Superior. Tributaristas ouvidos pela reportagem acreditam que as mudanças na composição da turma, que ganhou cinco novos conselheiros entre 2020 e 2021, além de um refinamento nos critérios para o conhecimento, são responsáveis pelo cenário.

Por outro lado, os especialistas pontuam que tanto os novos critérios adotados para a análise quanto a regra de desempate pró-contribuinte, que passou a valer em abril de 2020, aumentaram as chances de decisão a favor dos contribuintes nos casos conhecidos.

O JOTA fez um levantamento dos acórdãos da 1ª Turma da Câmara Superior sobre o tema publicados entre 2019 e 2021. Entre as decisões publicadas em 2019, em 22 de 23 a matéria foi conhecida, ou seja, uma proporção de 95,6%. Em 2020, de um total de 15 acórdãos, em 13, ou 86,6%, a discussão sobre a amortização de ágio foi conhecida. Por fim, em 2021, de um total de seis acórdãos, a matéria foi conhecida apenas em dois, o equivalente a 33,3%.


É importante destacar que os dados refletem o impacto da pandemia e dos julgamentos virtuais, adotados a partir de março de 2020, com um limite de valor gradualmente elevado até chegar a R$ 36 milhões. No dia 11 de abril, entretanto, o limite foi derrubado, possibilitando que o Carf julgue processos de valores mais altos.

Como a maior parte dos casos de ágio envolve valores elevados, a quantidade de acórdãos cai à medida que são realizados julgamentos no período de vigência do teto. Todos os acórdãos de 2020 referem-se a julgamentos realizados entre novembro de 2019 e março daquele ano, antes, portanto, da suspensão dos julgamentos presenciais. O baixo número de acórdãos em 2021, por sua vez, reflete o impacto total do limite de alçada.

Um outro levantamento, realizado pelo escritório Mauler Advogados, sinaliza, da mesma forma, a diminuição da frequência com que os casos de amortização de ágio passam pelo filtro do conhecimento, separando os recursos interpostos pelo contribuinte e pela Fazenda Nacional. Ao mesmo tempo, os números mostram uma situação recente mais favorável para o contribuinte quando o mérito é analisado. Para um mesmo processo, podem ser apresentados simultaneamente recursos da Fazenda e do contribuinte.

De acordo com os dados, no biênio 2019-2020, 18 recursos de contribuintes tratando de ágio foram conhecidos, enquanto dois não foram conhecidos. Os números são semelhantes para recursos interpostos pela Fazenda no mesmo período, com 17 conhecidos, quatro conhecidos parcialmente e um não conhecido.

O biênio 2021-2022 traz um cenário diferente, com conhecimento menos frequente para contribuinte e Fazenda. Entre os recursos apresentados pelos contribuintes, nove não foram conhecidos, cinco foram conhecidos e dois foram conhecidos parcialmente. Já entre os recursos interpostos pela Fazenda Nacional no período, nove não foram conhecidos, enquanto oito foram conhecidos.

No mérito, no biênio 2019-2020, houve 18 decisões desfavoráveis e nenhuma favorável em recursos do contribuinte. Já no biênio 2021-2022, cresce o número de decisões pró-contribuinte, com cinco favoráveis, uma desfavorável e uma parcialmente favorável. A análise dos recursos da Fazenda, por sua vez, mostrou 18 decisões favoráveis, duas parcialmente favoráveis e uma desfavorável em 2019-2020. Nos anos de 2021 e 2022, foram sete decisões favoráveis e uma desfavorável na análise do mérito de recursos do fisco.

Desempate pró-contribuinte
A advogada Thabitta Rocha, do Mauler Advogados, aponta como divisores de água entre os dois biênios analisados as mudanças na composição da 1ª Turma da Câmara Superior e a regra do desempate pró-contribuinte, com a introdução do artigo 19-E na Lei 10.522/02 pela Lei 13.988/2020. “A gente conseguiu fazer esse levantamento, mostrando que realmente houve uma mudança de jurisprudência após o desempate pró-contribuinte. Eu acho que, de modo geral, a mudança [na análise do ágio] é pela composição da turma e pelo 19-E”, comenta.

Para a tributarista, ante a possibilidade de as teses defendidas pelos contribuintes vencerem pela aplicação do 19-E, os conselheiros do fisco tornaram-se mais rígidos nos critérios para conhecimento dos casos. Para ela, a tendência se acentuará se o Supremo Tribunal Federal (STF) considerar a regra constitucional. Em março, o STF retomou a discussão das ADIs 6399, 6403 e 6415, sobre a constitucionalidade do 19-E, mas o julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Nunes Marques com o placar em 5×1 a favor do contribuinte.

Refinamento
No entanto, para Caio Cesar Nader Quintella, ex-vice-presidente da 1ª Seção do Carf, as mudanças na análise devem-se tanto a alterações na composição da 1ª Turma, entre 2020 e 2021, quanto a um refinamento dos critérios de análise. “No último um ano e meio, houve uma relevante troca da composição [na turma]. Desde o início de 2020, ela trocou 80% dos membros. E, naturalmente, com a evolução dos debates, foi-se cada vez mais exigindo uma similitude fática maior entre os casos [recorrido e paradigma] para se conhecer”.

De acordo com o tributarista, se a análise do conhecimento está mais criteriosa, a discussão sobre a possibilidade de amortização de ágio, quando o recurso é conhecido, tornou-se menos “maniqueísta”. “A Câmara Superior sai de uma situação anterior, de debate simplesmente jurídico, sobre lícito ou ilícito, e passa a olhar as circunstâncias em que o ágio foi gerado. Antes, a discussão era exclusivamente jurídica e muito preto no branco. Não se dava a devida atenção para as nuances das circunstâncias. Era uma interpretação rígida, maniqueísta”, diz.

As alterações na composição da 1ª Turma da Câmara Superior foram a entrada de Caio Cesar Nader Quintella, Andrea Duek Simantob, Luís Henrique Marotti Toselli, Fernando Brasil de Oliveira Pinto e Alexandre Evaristo Pinto, que assumiram como conselheiros titulares. Em 2022, a turma teve mais uma mudança na configuração, com a substituição de Caio Quintella por Gustavo da Fonseca, que, até o momento, não é titular.

Embora seja cedo para dizer como a alteração mais recente impactará os casos de ágio, o contribuinte teve resultados favoráveis na 1ª Turma da Câmara Superior neste início de ano. No processo 19515.003259/2004-72, da Camil Alimentos S.A, a turma permitiu a amortização do ágio pelo desempate pró-contribuinte, com base em voto divergente de Caio Quintella, que considerou equivocada a fundamentação legal da autuação fiscal. Em julgamento mais recente, do processo 16327.720694/2016-28, do Banco Cacique S/A, o colegiado permitiu por maioria a amortização de ágio com empresa veículo.

Nova legislação
Pedro Bini, do Schneider Pugliese, também vê um refinamento na análise dos casos de ágio pela Câmara Superior. “Nessa última leva [de casos], de 2021, com uma série de [recursos] não admitidos, a gente nota que tem uma análise mais detida mesmo das circunstâncias fáticas. Em um dos casos, entraram nos detalhes se é realmente uma empresa veículo. Em outro, entraram nas minúcias de questionamento dos laudos. Acho que [a discussão] evolui naturalmente e, consequentemente, a Câmara Superior está se detendo melhor sobre o tema. Coincidentemente, houve uma mudança significativa na composição”, observa.

Já o advogado Carlos Gama, do Braga & Garbelotti Consultores Jurídicos e Advogados Associados, associa o novo cenário dos casos de ágio às alterações introduzidas pela Lei 12.973/2014, que promoveu alterações na legislação que rege a contabilidade das empresas e, segundo ele, estabeleceu critérios mais claros para a amortização fiscal do ágio.

“Antes, havia muitas lacunas e o Carf tem uma composição pró-fisco. Acabou que a legislação deixou muito claro quando [o ágio] poderia ser utilizado ou não. Então, as decisões passaram a ser mais favoráveis ao contribuinte, mas, em contrapartida, é preciso encontrar uma situação muito parecida [para conhecimento do recurso]. Acho que o problema [do conhecimento] é o paradigma, pois, como as alterações trazidas pela lei são recentes, você não encontra”, diz.


Fonte: Jota