FIM do voto de qualidade no CARF: Mais insegurança jurídica está por vir

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Conforme amplamente veiculado no mundo jurídico, a Lei 13.988/20 alterou a Lei 10.522/02 incluindo o art. 19-E passando a prever que em caso de empate no julgamento de processo administrativo fiscal (regulado pelo Decreto 70.235/72)...

Por Jefferson Souza PRO Exclusivo

 

20/04/2020

 

Conforme amplamente veiculado no mundo jurídico, a Lei 13.988/20 alterou a Lei 10.522/02 incluindo o art. 19-E passando a prever que em caso de empate no julgamento de processo administrativo fiscal (regulado pelo Decreto 70.235/72) não deve ser mais aplicado o voto de qualidade (que no CARF era decidido por um representante da fazenda) dando resolução a questão de forma favorável ao contribuinte.

 

Mesmo com o parecer do ministro da justiça em favor da manutenção do voto de qualidade, o presidente em exercício não vetou a o dispositivo legal. Será que por desconhecimento do assunto? (duvidamos) Ou porque não queria entrar em conflito com o congresso? (considerando que o tema estava fora do contexto da conversão da 899/2019)

 

O fato é que um tema complexo como esse foi incluído de maneira sorrateira pelo congresso em um momento que todo mundo está preocupado com a saúde. Não houve se quer um debate mais amplo com a sociedade, resolvendo-se a questão por meio de poucas sessões virtuais.

 

O Brasil tem, infelizmente, um histórico de má condução na proposição de medidas legislativas e, inclusive, com a sua aplicação. E com essa nova alteração acreditamos que não será diferente, deverão surgir novos embates jurídicos fundados em inúmeras questões. Tentaremos explicitar alguns pontos sem o objetivo de esgotar o assunto, mas sim fomentar o debate.

 

O primeiro ponto, conforme mencionamos anteriormente, diz respeito a inclusão na calada da noite de matéria estranha ao texto objetivado pela MP 899/2019. Muitos acreditam que o artigo 28 da Lei 13.988/20 será objeto de alguma ADI já que o STF considera ser inconstitucional emendas parlamentares que não guardam relação com tema original, violando assim o processo legislativo. (ADI 5.127)

 

Há aqueles que irão defender que a decisão do processo administrativo fiscal – que faz suspender o crédito tributário – tem sim relação com a MP que tratava especificamente da transação tributária. O nosso ver essa tese se mostra fraca e um tanto quanto fraca e forçosa.

 

Outro ponto diz respeito a aplicação temporal do novo dispositivo legal. Como serão tratadas as decisões em voto de qualidade proferidas no CARF antes da Lei 13.988/20? Serão alcançadas? Vozes surgirão proclamando que poderão ser revistos as decisões dos últimos cinco anos. Mas com base em que?  Não conseguimos enxergar atualmente nas letras do CTN essa fundamentação legal, já que o período de cinco anos diz respeito a pleito de restituição pelo contribuinte quanto a constituição do crédito tributário pela fazenda, e não da revisão do ato administrativo no processo fiscal.

 

Considerando uma possível suspensão deste artigo no STF via ADI, como ficariam os processos com decisões em voto de qualidade neste período? Finalizada a decisão no CARF, seja a favor ou contra o contribuinte, ela seria classificada como passível de modificação futura quando da apreciação final no Supremo?

 

Isso sem falar de como ficará o funcionamento institucional do CARF e qualidade das decisões proferidas pelos julgadores. Por mais que seja um órgão considerado paritário, o Conselho, por fim, representa a voz da fazenda nacional. Então faria sentindo o contribuinte dar a palavra final em discussões de teses não superadas? Nesse contexto pode surgir a preocupação da Receita em não perder decisões e começar a surgir bancadas onde todos votam no mesmo sentido. Da mesma forma pode acontecer com os representantes dos contribuintes. Ou seja, não importará mais a qualidade técnica dos julgadores bastando escolher aqueles que concordam votar em bancada.

 

Esses são apenas alguns pontos que podem ser mencionados, mas existem muitos outros que poderão surgir que não comportaria discussão em apenas um artigo. Entendemos que a discussão do fim do voto de qualidade no CARF deveria ter sido mais ampla. Medidas radicais como essa tendem a ser judicializadas, principalmente no Brasil que é o País rei das teses com quase pouco cumprimento daquilo efetivamente disposto pelo legislador.

 

Em primeiro momento parece ser algo favorável ao contribuinte, mas podemos ter sérias conseqüências e efeitos colaterais dessa alteração no CARF. Entendemos que o momento foi inapropriado (considerando a crise na saúde) para alteração desse tema sem quase nenhuma discussão. Não se pode esquecer que a tributação envolve duas pessoas legitimamente interessadas (fisco e contribuinte) e que não se pode pesar radicalmente para um ou outro lado, pois no final das contas todos nós (pessoas físicas) sairemos prejudicados.

 

Infelizmente estamos tentando resolver um problema cortando os galhos de uma arvore em vez de arrancar logo sua raiz por completo. Sabemos que as discussões que chegam ao voto de qualidade no CARF (bem como os demais assuntos) são frutos de legislações omissas ou inconsistentes, e em muitos casos de “teses” criadas pela Receita Federal. Em vez de gastar tempo juridicamente dizendo que esse ou aquele deve desempatar o julgamento fiscal, deveríamos estar melhorando o processo de elaboração das leis tributarias e sua aplicação, inclusive a forma de tratar bons e maus contribuintes. Assim os litígios diminuíram e não daríamos tanto enfoque a pautas de julgamento.

 

No resto é aguardar os desfechos de como a sociedade, a Receita, o CARF, e o judiciário irão se comportar diante dessa significativa mudança.

 

Fonte: Tributário