Operação societária gerando renda e outras questões tributárias

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Em um processo administrativo, discutido o impacto tributário de uma complexa operação societária, que pode ser assim simplificada: a empresa AA cede para BB créditos que tinha contra a empresa CC...

Por Mary Elbe Queiroz e Antonio Elmo Queiroz

 

Em um processo administrativo, discutido o impacto tributário de uma complexa operação societária, que pode ser assim simplificada: a empresa AA cede para BB créditos que tinha contra a empresa CC; depois, BB recebe como pagamento dos créditos uma participação na própria CC; em passo seguinte, CC, que adquiriu de BB os créditos contra si própria, utiliza-os para aumentar seu capital, integralizando a participação de AA.

 

Havendo repetição de procedimento similar para robustecer o capital entre as três empresas do grupo, culminando com cisão de AA, BB e CC.

 

Apreciando um caso concreto, o fisco federal apontou que houve confusão patrimonial e, logo no início, CC deveria ter baixado o crédito contra o respectivo débito. E, como inobservada a confusão, juridicamente o crédito deve ser considerado baixado junto com o débito; portanto o ativo registrado passava a ser, de fato, um acréscimo patrimonial “seja pelo reconhecimento de mais valia oculta, seja pela geração de reavaliação espontânea”; e, mesmo que não fosse possível enquadrar como reavaliação espontânea, “a questão seria vista como superveniências ativas”. Em qualquer caso, renda tributável, pois, com a capitalização da sociedade, houve a efetiva utilização do acréscimo patrimonial.

 

O contribuinte defendeu-se frisando que a operação só tinha objetivo e impacto societário, não gerando redução da carga tributária; não cabendo cogitar de acréscimo patrimonial, já que existiu apenas uma alteração da natureza do ativo, de circulante para investimento, enquanto o passivo foi convertido em capital social.

 

Apreciando a causa, Turma do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais visualizou uma “circulação meramente escritural dos mesmos créditos entre diversas sociedades”, mas manteve a autuação enxergando um abuso de direito ante a “elevação do patrimônio sem substrato econômico que justificasse a majoração”; assim ementado e fundamentado:

 

Acórdão 1401-001.206 (publicado em 04.09.2015)

CESSÃO DE CRÉDITOS. COLIGADAS. CAPITALIZAÇÃO SEGUIDA DE CISÃO PARCIAL.

 

A sucessiva cessão de créditos entre coligadas visando ao aumento dos respectivos patrimônios líquidos para suportar posterior cisão parcial caracteriza realização da superveniência ativa dos direitos reavaliados e enseja tributação.

 

Voto Vencido (...)

 

Não há dúvidas que essa “engenharia financeira” causou um desconforto na Autoridade Fiscal. No entanto, não se chegou, ao menos no presente auto de infração, a um fato tributável. Seria necessário que se tivesse aprofundado a investigação a partir do aumento de capital da AA na BB, já que este aumento foi registrado em conta de reserva de capital e que, eventualmente, poderia gerar uma redução de algum tributo em momento futuro (eventualmente questionável).

 

A partir dessa evolução da fiscalização é que poderia chegar-se a um evento oculto da tributação, de forma a identificá-lo como fato tributável passível de autuação fiscal, principalmente diante das estranhas operações realizadas pelo grupo empresarial. Entretanto, tais fatos não foram analisados e não constam do presente Auto de Infração.

 

Fato é que, na ordem jurídica brasileira, não se tributa por estranheza.

 

Assim, em conclusão, os fatos descritos pela Autoridade Fiscal não levam a nenhum acréscimo patrimonial e, por isso, voto no sentido de cancelar o presente auto de infração.

 

Voto Vencedor (...)

 

Na visão deste colegiado, claramente ocorreu uma confusão patrimonial, no instante em que CC teve o seu capital social aumentado por BB, mediante o recebimento de créditos contra ela própria (CC). (...)

 

Assim, prevalece neste colegiado o entendimento de que, pelo fato de a contribuinte ter feito o lançamento contábil creditando o Patrimônio Líquido e debitando o Ativo (em relação ao crédito em que ela mesma era a devedora, no montante de R$130.306.366,79), ao invés de ter debitado o próprio passivo (extinguindo a obrigação, já que a empresa passou a ser credora e devedora daquele valor), houve a criação de um ativo “artificial” (e portanto ilegítimo). (...)

 

A inobservância desta confusão patrimonial fez aflorar um ativo novo no valor R$130.306.366,79, representado pela eliminação, de fato, de um passivo. Este ativo novo foi utilizado para subscrever capital na AA. Como não houve, contabilmente, efetiva baixa do passivo para com a BB, é correto considerar que ocorreu uma verdadeira e “autônoma” reavaliação espontânea do investimento da CC na AA, no montante de R$130.306.366,79. (...)

 

Transplantado tais conclusões para o caso sob análise, é fácil constatar a abusividade dos atos praticados pela contribuinte. Ao promover a circulação meramente escritural dos mesmos créditos entre diversas sociedades empresárias ligadas entre si, a contribuinte promoveu elevação do patrimônio sem substrato econômico que justificasse a majoração. Assim sendo, revela-se correta a atitude da autoridade fiscal, que tributou o acréscimo patrimonial identificado no âmbito do Grupo ZZ.

 

Prazo decadencial

A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional recebeu solicitação para se manifestar sobre a contagem do prazo decadencial para o lançamento tributário, no caso de haver ordem judicial impedindo fiscalização da Receita Federal, como em processo em que se discute se é possível procedimento fiscal com extrato bancário obtido sem ordem judicial.

 

A conclusão foi que se aplicaria a tese da “suspensão fática do prazo decadencial”:

 

Parecer PGFN/CAT 688/2015 (publicado em 29.05.2015)

 

15. Além de extintivo, o prazo de decadência é ininterrupto. O CTN não prevê hipótese de suspensão de decadência. (...)

 

21. Sucede que, quando a decisão judicial impede o próprio lançamento para prevenir decadência, cominando multa diária e configuração de crime, em caso de eventual descumprimento, a atividade de fiscalização fica paralisada por fato alheio a seu controle, inclusive para fins de aplicação do art. 63 da Lei nº 9.430, de 1996. (...)

 

29. Em conclusão, é possível responder à PRFN da 5ª Região:

 

a) deve ser reconhecida como causa da suspensão fática do prazo decadencial a decisão judicial impeditiva do prosseguimento da fiscalização ou do procedimento administrativo fiscal ou do lançamento preventivo dos tributos;

 

b) após o desaparecimento do obstáculo jurídico (revogação da decisão), deve ser retomada a contagem do prazo decadencial pelo prazo remanescente;

 

c) a suspensão fática do prazo decadencial não é sucedâneo do lançamento para prevenir decadência e não pode ser utilizada como nova oportunidade para salvar crédito decaído.

 

Arrolamento para terceiros

Em uma ação judicial, discutido o arrolamento administrativo, que é uma forma de o fisco acompanhar a evolução do patrimônio de um contribuinte, sem estabelecer gravame ou impedir a alienação do bem arrolado (artigo 64 da Lei 9.532/97).

 

Porém, frente ao pleito de cancelamento de um arrolamento por ter havido a alienação do bem, Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região reconhece a possibilidade de ser mantido um arrolamento, mesmo sob o terceiro adquirente, ante certas peculiaridades; assim ementado:

 

Apelação Cível 5004862-90.2014.4.04.7015 (publicada em 09.11.2015)

 

3. A manutenção do gravame sobre bens alienados, em princípio, não se justifica. A lei prevê expressamente que o arrolamento não implica restrição ao direito de propriedade, inexistindo impedimento legal à venda, de forma que, em tese, não motivo para que subsista o registro do arrolamento.

 

4. Não obstante, há elementos nos autos que trazem suspeita acerca da idoneidade da venda, sobretudo porque realizada à parente de sócio da empresa e por valor bastante inferior à avaliação declarada pelo próprio alienante. Assim, embora formalmente transferido o imóvel, deve ser mantida a anotação de arrolamento fiscal em seu registro, pois, como visto, a jurisprudência exige o reconhecimento da boa-fé do terceiro adquirente para a efetivação do cancelamento. A medida se mostra, acima de tudo, proporcional. O arrolamento não chega a causar grandes transtornos para os autores, uma vez que ainda podem dispor plenamente do bem.

 

Fonte: Conjur