Não há porque resistir ao Imposto sobre movimentação financeira

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O Imposto Sobre a Movimentação Financeira foi introduzido em nosso sistema, criticado por ser novidade, vigeu por um tempo razoável com pequenas alterações de nomenclatura...

Por Ricardo César Mandarino Barretto

 

É mantra, em Direito Tributário, o conceito de que imposto velho é imposto bom.

 

O Imposto Sobre a Movimentação Financeira foi introduzido em nosso sistema, criticado por ser novidade, vigeu por um tempo razoável com pequenas alterações de nomenclatura, mas com o mesmo fato gerador e com o mesmo perfil arrecadatório.

 

Dizia-se que seria regressivo, inflacionário, confiscatório e até mesmo capaz de desorganizar o nosso sistema financeiro, porque as pessoas passariam a guardar dinheiro debaixo do colchão.

 

Nenhuma das previsões pessimistas consumou-se, especialmente a de que pesaria fortemente sobre os pequenos correntistas e seria inflacionário.

 

Um correntista que movimente uma conta mensal de R$ 5 mil, pagará, com uma alíquota de 0,38%, a importância R$ 19, inferior, portanto, ou nos limites dos R$ 20, R$ 30 que os bancos cobram dos pequenos correntistas pelos seus serviços.

 

Essas tarifas não pesam sobre os grandes aplicadores, por conta das concessões de isenção que as instituições financeiras costumam ofertar a médios grandes investidores. Entretanto, servem para para alimentar o argumento de que os pequenos correntistas serão as maiores vítimas.

 

Sobre a regressividade e a cumulatividade, nem os impostos mais diretos do sistema estão livres de ocasionar esse fenômeno, ainda que eventualmente. Afinal, na indústria e no comercio, até o peso do Imposto de Renda e do imposto predial, dois exemplos clássicos de incidência direta, é repassado aos preços dos produtos como custos das empresas. É da lógica da circulação da riqueza.

 

Vale lembrar que, da última vez que foi extinto, o governo, sem condições de abrir mão da notável receita que o tributo lhe proporcionava, aumentou fortemente as alíquotas do IOF, para compensar as perdas.

 

O Imposto Sobre a Movimentação Financeira deixou de ser novo, já é velho e mostrou que deu certo. É imposto bom.

 

Havia, por trás desse debate, evidentemente, a preocupação com a vulneração do caixa 2 de algumas empresas, capaz de atingir a intimidade do sigilo fiscal.

 

Entretanto, com a evolução tecnológica das compras on line e com o aperfeiçoamento dos softwares da Receita Federal, o sigilo fiscal deixou de ser seguro.

 

A Receita Federal acessa as nossas compras de cartão de crédito e, à distância, promove cruzamentos que identifica sinais incompatíveis de riqueza. Não necessita mais do IMF para alcançar esses objetivos.

 

Diante desse contexto novo, inexiste motivo para resistir ao retorno do tributo em um momento de crise grave em que as contas públicas não fecham.

 

É que os contribuintes, com alguma razão, não confiam no Estado, porque o Estado os trata como pessoas mal-intencionadas, o que leva à absorção de ser legítima a regra da sonegação.

 

Com isso, criou-se outro mantra, o de que sonegar é preciso para poder crescer, eis que, afinal, parte do dinheiro dos impostos é tragada pelo buraco negro da corrupção.

 

Corrupção não se resolve assim e os fatos estão aí a comprovar.

 

Com a volta da democracia, operou-se, nos valores intelectuais das nossas cortes de justiça, uma tradição de mais rigor garantista do direito à ampla defesa, de forma, às vezes, a tornar ineficaz, por pequenas falhas, os inquéritos e os processos conduzidos pelos delegados e juízes. Isso, por certo, aliado a outros fatores, gerou uma sensação de impunidade.

 

A intolerância legítima com a corrupção, vem flexibilizando os excessos do garantismo vazio, sem perder de vista a garantia da ampla defesa, tornando as decisões judiciais mais efetivas.

 

O papel da imprensa tem sido relevante nessa questão, como revelam o resultado do julgamento do mensalão e a operação "lava jato".

 

Com o advento da Constituição de 1988, as nossas instituições vêm se fortalecendo, fragilizando a corrupção, levando-a a se tornar apenas pontual.

 

Por outro lado, valendo-se de artifícios pouco recomendáveis, o Estado opta por aumentar a arrecadação, utilizando a lei do menor esforço, quebrando uma longa tradição de corrigir anualmente a tabela do Imposto de Renda.

 

O mais grave de tudo isso, é que essa circunstância contribuiu para alimentar o argumento de que a carga tributária brasileira é excessivamente alta. Não é, é mal distribuída. É injusta. Pesa mais sobre quem não deveria pesar.

 

Fala-se que pagamos muitos impostos e temos serviços ruins em comparação com países que têm carga tributária semelhante à nossa.

 

Com um PIB próximo ao do Reino Unido, França e Itália, que têm população de menos da metade da nossa, ganhamos mais ou menos a mesma coisa para distribuir com muito mais gente. É como se uma família com dez filhos tivesse a mesma renda de uma família com dois. Nesse contexto, a qualidade de vida altera-se.

 

Essa situação tem que ser enfrentada com realismo, por ser impossível matematicamente, num país em desenvolvimento, reduzir a carga tributária a qualquer custo.

 

O exemplo da China, de carga tributária baixa e crescimento arrebatador não serve para nós.

 

A China possui um mercado consumidor potencial interno de 1,3 bilhão de pessoas e não dispõe de um sistema previdenciário como o nosso. Se o Brasil acabasse com a Previdência Pública, por certo a carga tributária diminuiria dramaticamente. Mas é isso que os brasileiros desejam? Uma sociedade sem previdência e sem benefícios de amparo social?

 

Diante do agravamento da situação econômica, não se discute uma reforma tributária simples, eficiente.

 

Ora, perde-se tempo em se apontar quem é o responsável pela crise, ora surgem propostas inconsistentes, chegando a se cogitar da implementação de um imposto sobre grandes fortunas, já experimentado no Japão e que não deu certo, porque arrecada pouco e afugenta capitais.

 

É óbvio o equívoco. Basta que se comece com duas perguntas básicas: 1 - Qual seria o conceito de grandes fortunas, num país como o Brasil, ainda com grandes discrepâncias regionais em termos de desenvolvimento? 2 - A base de cálculo de grandes fortunas em São Paulo poderia ser a mesma da dos estados mais pobres? Concebido como fosse, a adoção desse tributo legitimaria até uma outra modalidade de guerra fiscal, que há muito se combate pelo seu caráter danoso.

 

As grandes fortunas devem ser tributadas, mas quando não desempenhem função social. Isso já é possível fazer, criando-se alíquotas mais pesadas sobre a propriedade rural improdutiva ou sobre os terrenos urbanos, imóveis outros estocados por pura especulação. É a forma indireta de coibir abusos de quem busca riqueza fácil.

 

O novo tributo só servirá para gerar inflação, desemprego, perda de estímulo para crescer, perda de arrecadação e o que é pior, o ódio das classes.

 

Será uma espécie de imposto da inveja e do ressentimento, como se objetivar atingir a riqueza fosse algo nocivo e não um fator gerador de mais riqueza para terceiros. Servirá para inibir empreendedorismo dos empresários vocacionados

 

Já o Imposto Sobre a Movimentação Financeira, pela sua natureza, revelou-se que foi o melhor, o mais justo e o mais eficiente tributo já introduzido em nosso país.

 

Começou com a ideia equivocada de um imposto único. Não poderia vingar nessa forma, mas demonstrou extrema eficiência.

 

Lamentavelmente quase ninguém se dispõe a observar as virtudes do tributo, se instituído não como mais um, mas em um outro contexto, o de propiciar a modernização da nossa arrecadação, tornando-a mais efetiva, e o tributo o próprio fio condutor de todo o sistema.

 

Possibilitando o alargamento da base tributária, tornaríamos o sistema mais leve.

 

Instituir-se-ia o IMF compensável inicialmente com o que se paga de Imposto de Renda, deixando totalmente isentos de pagamento os assalariados que movimentassem, em suas contas, até o limite de isenção da tabela do  Imposto de Renda. Em outro momento, a compensação poderia se estender a outros tributos.

 

Se, com uma alíquota de 0,38%, estima-se uma arrecadação de R$ 85 bilhões, com uma alíquota superior poder-se-ia chegar próximo ao valor do que se arrecada hoje com o IR.

 

Não estou propondo que a alíquota seja superior, é apenas uma forma de demonstrar a excelência do tributo, evidenciando que, se alguém declara uma renda que se enquadra na isenção do IR, mas movimenta, em sua conta bancária, por exemplo, R$ 300 mil por ano, evidentemente que está omitindo a receita do imposto de renda, salvo se beneficiário de algum estímulo fiscal ou recebedor exclusivo de valores considerados indenizatórios. Nessa situação, a isenção do IMF estaria afastada. Valeria apenas para o valor da conta salário no limite da tabela do Imposto de Renda.

 

O grande mérito dessa compensação, acrescido ao fato de isentar do IMF quem já se acha isento do imposto de Renda, é alargar a base tributária, fazendo com que quem sonega passe a pagar alguma coisa.

 

Não haveria, enfim, aumento de impostos para os que já contribuem honestamente.

 

Bem sucedida a recriação desse tributo, emergirá daí a semente de uma grande reforma tributária, capaz de conceber um sistema invejável de arrecadação justa, a ser copiado no mundo. Isso poderá ser um grande legado do povo brasileiro, como foi o PROER. Fica a sugestão.

 

Fonte: Conjur